Dislipidemia: avaliações regulares e tratamento caso-a-caso são necessários

A preocupação com os lipídios séricos é foco de atenção de várias especialidades (desde a pediatria até a geriatria), uma vez que a dislipidemia é fator desencadeante e de agravo das doenças cardiovasculares. Diretrizes internacionais e nacionais enfatizam a necessidade de uma avaliação laboratorial regular e, se necessário, tratamento de acordo com as várias estratificações de risco. É recomendada a realização de exames (colesterol, triglicerídeos, HDL e cálculo estimado do LDL) para:
Crianças e adolescentes (até 19 anos): na presença de obesidade, diabetes mellitus, transplantados, portadores de insuficiência renal e história familiar precoce de doença arterial coronariana (DAC);
Idade adulta (a partir dos 20 anos): se os exames iniciais forem normais e na ausência de fatores de risco (diabetes mellitus, história familiar de doenças cardiovasculares, insuficiência renal e transplante, entre outros) devem-se repetir a cada cinco anos. Há situações em que as dosagens dos lipídios séricos não são essenciais para iniciar o tratamento medicamentoso, como após infarto agudo do miocárdio, pois podem estar falsamente reduzidas. Em outros casos, níveis falsamente diminuídos também podem ser encontrados em doenças agudas, crônicas agudizadas ou aumentados secundariamente.
Tratamento

Em adultos, o tratamento medicamentoso é dirigido primariamente para diminuir o LDL elevado quando os valores de triglicerídeos na mesma dosagem são inferiores a 400 mg/dl. Estudos epidemiológicos orientam quanto à meta para tratar os valores de LDL de acordo com a estratificação do risco cardiovascular nos próximos 10 anos (> 20%, entre 10 e 20% ou inferior a 10%). Conforme estas orientações, o paciente é classificado em alto (meta do LDL inferior a 100 mg/dl), moderado (inferior a 130 mg/dl) e baixo risco (inferior a 160 mg/dl), e o tratamento medicamentoso deve ser instituído de acordo. Por exemplo, os portadores de DAC ou seus equivalentes (diabetes mellitus, doença arterial carotídea sintomática, aneurisma de aorta abdominal são considerados de alto risco. É importante mencionar que idosos portadores de DAC ou seus equivalentes devem ser tratados e realizar exames rotineiramente, uma vez que constituem a população de maior morbimortalidade para doenças cardiovasculares.
Estatinas
As estatinas, cujo mecanismo de ação é comum, porém com padrão farmacocinético variado, são as drogas mais indicadas. Todas são eficazes, desde que a dosagem correta seja utilizada. O efeito colateral mais comum são dores musculares associadas ou não com elevação da CK-total. É fundamental lembrar sempre que algumas estatinas interferem na atividade de enzimas do citocromo P450 do fígado, podendo alterar o metabolismo de diversas drogas e contribuir para interações medicamentosas. Redução dos níveis de LDL para valores inferiores a 70 mg/dl em indivíduos de alto risco, embora seja preconizado por várias diretrizes internacionais e nacionais, é motivo de controvérsia devido à ausência de estudos baseados em evidência. A ezetimiba, um inibidor da absorção do colesterol, utilizado em associação com estatinas, é recomendado como medicação de segunda linha ou uso isolado em casos de resistência às estatinas.

Triglicerídeos
O tratamento dos triglicerídeos merece atenção inicial quando não há aumento associado de LDL ou quando os seus níveis são maiores que 400 mg/dl. Os valores de triglicerídeos são dependentes diretamente da ingestão calórica, atividade física e tempo de jejum antes do exame. Portanto, não é incomum encontrar em menos de poucos dias variações superiores a 50% nas dosagens destes lipídios às custas das variáveis anteriormente citadas. As principais causas de hipertrigliceridemia são geralmente secundárias a obesidade, diabetes mellitus descompensado, hipotireoidismo não controlado, medicamentos (tamoxifeno, estrogênio, beta-bloqueadores, ciclosporina e antiretrovirais, entre outros) e síndrome nefrótica. Portadores de hipertrigliceridemia de causas genéticas (primárias) associadas com fatores secundários são muito comuns no consultório médico.
Na maioria das vezes, o tratamento de triglicerídeos entre 150-199 mg/dl é dirigido para perda de peso e atividade física. São considerados valores elevados níveis deste lipídio entre 200 e 499 mg/dl. Neste caso, calcula-se os valores do não-HDL através de uma equação que corresponde às partículas aterogênicas - LDL, lp(a),  lipoproteína de densidade intermediaria e VLDL. Os valores de referência e a meta de tratamento também variam de acordo com a estratificação do risco cardiovascular nos próximos 10 anos: alto (> 20%: < 130 mg/dl, entre 10 e 20%: < 160 mg/dl  ou inferior a 10%: < 190 m/dl).
O tratamento farmacológico do não-HDL,  alvo secundário após avaliação do LDL,  é feito com fibratos ou niacina. Os efeitos colaterais dos fibratos são similares às estatinas. A niacina é contra-indicada em portadores de úlcera péptica e tem como efeito colateral inconveniente o flushing que ocorre horas após a sua ingestão, e o qual é minimizado pela ingestão antecipada da aspirina, que a maioria destes pacientes também faz uso como antiagregante. Uso de ácidos ômega-3 ou óleo de peixe é controverso, pois pode aumentar o LDL. Concentrações muito elevadas de triglicerídeos ( > 500 mg/dl) devem ser imediatamente tratadas com dieta e medicamento, devido ao risco de pancreatite.
Na prática clínica, o mais comum é a associação de LDL e de triglicerídeos concomitantemente elevados. A identificação do alvo primário a ser tratado (LDL ou triglicerídeos) de acordo com os riscos do paciente (prevenção primária ou secundária de doença cardiovascular) é o preconizado internacionalmente. Não é raro que na prevenção secundária de  indivíduos de alto risco, seja necessário fazer  uso combinado de  estatinas e de fibratos, porém deve-se monitorar os efeitos colaterais particularmente relacionados com o músculo esquelético, principalmente em transplantados e em portadores de AIDS. A niacina é o medicamento de escolha para tratamento do HDL diminuído em casos de prevenção secundária. Também é indispensável reforçar a cada consulta a importância da mudança de estilo de vida que inclui, geralmente: perda de peso, realização de atividade física, alimentação saudável e dia-a-dia sem fumo.


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