Cuidados paliativos: um direito do paciente

Cuidados Paliativos é um importante tópico atual de saúde pública. É a preocupação com o sofrimento, com a dignidade, com o cuidado e a qualidade de vida de pessoas no final de suas vidas. É também a preocupação com o suporte dos familiares e amigos destes pacientes. No entanto, esta filosofia de cuidado é ainda extremamente negligenciada em nosso país.
Sabemos que a expectativa de vida mundial aumenta e que muitas pessoas hoje vivem mais de 65 anos. Com a população envelhecendo, o padrão do sofrimento e morte por doenças também vem mudando. No último século, vimos uma dramática redução de mortes por infecção na infância e adolescência. Consequentemente, a população com idade mais avançada passou a morrer por sérias doenças crônicas, acompanhadas por uma variedade de problemas físicos, psicológicos e sociais. O sistema de saúde deveria ser competente para atender as necessidades destas pessoas, reduzindo o sofrimento e dando suporte a esta população para viver bem e manter sua qualidade de vida o maior tempo possível.
Cuidados Paliativos foi definido pela Organização Mundial de Saúde em 2002, “como uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias diante de uma doença incurável, através da prevenção e alívio do sofrimento, utilizando o reconhecimento precoce e a impecável avaliação e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicológica e espiritual.”
Cuidados Paliativos garante o alívio da dor e de outros sintomas de estresse, afirma a vida e respeita a morte como um processo normal, sem abreviar ou prolongar este processo. Integra os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado, e oferece um sistema de suporte para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível até a morte. Também oferece apoio para os familiares durante o período da doença e do luto. Esta abordagem total de pacientes e famílias é feita através do trabalho em equipe e deve ser aplicada precocemente no curso da doença com outras medidas que possam prolongar a vida, como por exemplo, no caso do câncer, a quimioterapia, e incluir aqueles métodos propedêuticos necessários ao melhor esclarecimento e manejo das complicações clínicas que possam aliviar o sofrimento.
Cuidados Paliativos não deveria ser implementado apenas por equipes especializadas, dentro de unidades ou hospices diante da falência do tratamento curativo. Deveria sim, ser parte do cuidado integral de qualquer paciente com doença grave, em qualquer lugar e sob o cuidado de médicos de todas as especialidades.
Argumentos Éticos
Há um aumento de evidências científicas que demonstram que pacientes com doenças fatais gostariam de participar das decisões que envolvem o seu cuidado no final da vida. Muitos estudos tem demonstrado que cerca de 75% destes pacientes gostariam de morrer em casa. Apesar disto, a grande maioria dos pacientes continuam a morrer hospitalizados.
Os pacientes temem a dor mais do que a própria morte. Cuidados Paliativos preconiza o controle da dor através do uso adequado dos analgésicos como a morfina. No entanto, ainda 50% dos pacientes com câncer morrem sem alívio da dor. Há necessidade de educar para uma analgesia adequada e lutar contra o preconceito que ainda envolve o uso dos analgésicos opióides.
A comunicação é fundamental em qualquer atividade de saúde. A habilidade de comunicar bem vai interferir diretamente em compartilhar decisões com o paciente e com a equipe e consequentemente, diminuir os equívocos e dilemas nesta fase do cuidado. Comunicar diagnóstico e prognóstico requer treinamento e sensibilidade, além de forte relação de confiança entre médico e paciente.
Profissionais de saúde necessitam de treinamento em Cuidados Paliativos, para terem a oportunidade de estender este conhecimento, e para trabalhar dentro de organizações que promovam atitudes e comportamentos que sustentem estes princípios. Somente assim, mais e mais pacientes poderão ser beneficiados com este cuidado.
O modelo de atenção médica proposto pela medicina paliativa contém em si o potencial para uma profunda mudança na cultura médica contemporânea. Frente à lógica do imperativo tecnológico, que com frequência nos leva a considerar que é eticamente justificável usar tudo que é tecnicamente possível, esta disciplina nos apresenta um modelo de atenção personalista, ou seja, baseado em um profundo respeito pela pessoa e por sua dignidade.
Este potencial renovador da medicina paliativa persistirá se esta disciplina não sucumbir diante do perigo de transformar-se em uma técnica a mais, a técnica de controlar a dor e outros sintomas, mais sim manter-se fiel a concepção global da pessoa em sua origem. Para isto, é necessário manter presente os princípios éticos destinados a proteger a dignidade da pessoa, inclusive em condições de extrema debilidade, como é a etapa final da vida.
Cuidados Paliativos, ciência e arte, que tem como prioridades o respeito pela vida, o respeito pela autonomia dos pacientes e a honestidade no uso dos recursos.


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