A bioética não é apenas um campo de conhecimento de discussão, mas sobretudo, é uma ferramenta de reflexão teórica e de aplicação prática a serviço da qualidade de vida e da dignidade humana. Entre suas inúmeras definições, destaca-se a clássica obra de Warren Reich, Enciclopédia Norte-Americana de Bioética (1995): Bioética “é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das ciências da vida e dos cuidados da saúde, empregando uma variedade de metodologias éticas em um ambiente interdisciplinar”. Ou, simplesmente, como alguns a identificam, como a Ética da Vida.
Desde a origem doneologismo Bioética pelo oncologista estadunidense, V. R. Potter (1971), a medicina e a Bioética sempre estiveram entrelaçadas, face o enorme avanço da ciência e a preocupação com o futuro da humanidade e com os cuidados médicos no manuseio das novas tecnologias. Em 1977, Tom Beauchamp e James Childress publicaram a obra Princípios da Ética Biomédica, quando propuseram a criação dos princípios bioéticos da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, para serem aplicados aos dilemas da prática médico-assistencial como suporte de novos valores morais a serem considerados. Desta forma, a Bioética consolidou-se como ética aplicada às situações que envolvem tomadas de decisões sobre conflitos morais emergentes, tornando-se um instrumento indispensável para orientar a reflexão ética envolvendo os seres vivos e o meio ambiente.
Na América Latina, entre 1985 e 1990, ocorreu o período de recepção dos princípios bioéticos, com sua assimilação ocorrendo entre 1990 e 1995 para, finalmente, a partir de então, iniciar a fase de criação de novas visões da Bioética. No Brasil, o marco fundamental de sua implantação foi o surgimento da Sociedade Brasileira de Bioética (1995), a partir de quando a Bioética se desenvolveu rapidamente por encontrar um vácuo ético na área da saúde, direcionando-se, sobretudo, para a realidade sanitária brasileira em função das desigualdades sociais existentes e introduzindo os referenciais da equidade, da justiça distributiva e da proteção aos vulneráveis. Além desta forte participação na saúde coletiva, foi no campo da legislação brasileira sobre ética em pesquisa em seres humanos que a presença da Bioética se constituiu num marco regulatório reconhecido internacionalmente. O Conselho Federal de Medicina (CFM) tem sido o grande responsável pelo desenvolvimento da Bioética em solo brasileiro, pelo pioneirismo na criação da revista científica Bioética (1993), pela difusão e apoio aos eventos de Bioética e, mais recentemente, pela forte discussão e incorporação dos princípios bioéticos no Código de Ética Médica1.
Como resultado natural de sua importância, ocorreu no país a implantação de inúmeros cursos de pós-graduação lato sensu e, a partir de 2004, passou a ocorrer seu crescimento vertical com a pós-graduação stricto sensu em Bioética (mestrado e doutorado) em instituições universitárias de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Curitiba.
No cenário nacional, Santa Catarina2 desfruta de muita visibilidade, pois há muito a Bioética encontrou aqui um campo fértil de estudo, abarcando várias áreas do conhecimento e se destacando como modelo no ensino da graduação em medicina por suas práticas pedagógicas diversificadas e estimuladoras da formação ética e humanista. Embora ainda mais restrita ao mundo acadêmico, no qual grupos consolidados de pesquisa surgiram em universidades, sua produção intelectual é muito vasta e intensa é a sua presença no sistema ético de pesquisa em seres humanos e animais. Graças a esta maturidade alcançada pela Bioética em nosso meio, foi criada, em 2009, a Regional de Santa Catarina da Sociedade Brasileira de Bioética, responsável por novos estímulos ao debate ético e, atualmente, pela organização do 10º Congresso Brasileiro de Bioética (www.bioeticafloripa2013.com.br) de 24 a 27 de setembro de 2013, em Florianópolis e, para o qual, os médicos catarinenses devem se sentir convidados.
1.Nedy Maria B. Cerqueira Neves, José Eduardo de Siqueira. A bioética no atual Código de Ética Médica. Revista Bioética 2010;18 (2): 439 – 50.
2.Bruno R. Schlemper Junior. Breve histórico da Bioética em Santa Catarina. Arquivos Catarinenses de Medicina 2011;40(4):92-97.
Bruno R. Schlemper Junior, é médico, 1º vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, presidente da Regional de Santa Catarina da Sociedade Brasileira de Bioética e presidente do 10º Congresso Brasileiro de Bioética (foto: Rubens Flôres)