Desde há muito era desaconselhável ao profissional médico a contratação do famigerado seguro de responsabilidade civil, por três razões simples e ligadas entre si.
Ocorre que este tipo de seguro é normalmente acionado pelo segurado para cobrir indenizações advindas de um processo judicial. Ora, ao saber que o médico, quando réu em uma ação indenizatória, tinha um seguro de responsabilidade civil, o Juiz não raro tinha a tendência de, diante da dúvida razoável quanto a sua culpabilidade, inclinar-se por sua condenação.
Como se já não bastasse a facilitação da condenação do segurado pelo judiciário, ainda surgia um outro efeito colateral e ainda mais maléfico: a inflação da condenação. Explica-se.
Ocorre que todo contrato de seguro possui uma apólice com um limite total segurado. Por outro lado, toda sentença judicial possui dois escopos: o primeiro é a indenização da “vítima” quanto ao suposto dano causado pelo pretenso agente; o segundo é alcançar seu fim pedagógico. Ou seja, de nada adianta uma condenação cujo o valor é estabelecido dentro dos limites de cobertura do seguro, pois o segurado permaneceria ileso. Assim, para que o juiz possa galgar o caráter pedagógico da condenação imposta, teria que inflacionar tal valor para que suplante o limite segurado, de forma que uma parte do montante seja efetivamente arcada pelo médico.
Todavia, o leitor pode estar imaginando como o juiz teria ciência de que o Réu possuiria um seguro de responsabilidade civil para que todos estes efeitos supracitados se concretizassem. Simples: o art. 70, inciso III, do Código de Processo Civil, simplesmente torna obrigatória a chamada “denunciação a lide da seguradora”, o que num bom português nada mais é do que chamar a seguradora para também integrar o pólo passivo do processo. A lógica deste “chamamento” é simples: se a seguradora será compelida a arcar em favor de seu segurado com um valor indenizatório discutido em certa demanda, nada mais justo do que dar a ela a oportunidade de acompanhar o processo judicial, inclusive defendendo-se. Ou seja, trata-se de uma regra lógica e correta, mas que acarreta todos os efeitos perversos acima descritos, pois ao fazer este chamamento, o médico tem que juntar ao seu processo a apólice de seguro, que irremediavelmente contém todos os dados contratados, inclusive o valor de cobertura. Além disso, qualquer paciente pode acessar tais informações, posto que todo o processo judicial é em regra público, o que pode agravar o demandismo contra a classe.
Este é o sistema até então observado.
Outrossim, há um novo tipo de seguro de responsabilidade civil que quebra o paradigma até então existente. Trata-se de uma modalidade em que a seguradora se compromete a cobrir seu segurado mesmo abrindo mão do direito de acompanhar o processo no judiciário. Ou seja, a regra do art. 70, III, CPC, é contornada através do contrato entabulado entre seguradora e segurado (médico), e não há nada de ilícito nisto, visto que tal regra é, por um lado, apenas uma salvaguarda para a seguradora e, por outro, uma forma de garantir o direito de regresso do segurado, ou seja, ambos podem dela abrir mão.
Além desta importante inovação, esta nova modalidade ainda conta com outros aspectos de relevante interesse ao profissional médico. Algumas seguradoras ainda dão cobertura a atos médicos realizados em até cinco anos pretéritos à contratação, desde que o médico ainda não tenha ciência da abertura de um processo judicial contra si. Além disso, a nova modalidade ainda dá cobertura em caso de acordo judicial entre médico e paciente, bem como arca com despesas importantes, tal como os honorários periciais.
Por se tratar de um novo e promissor paradigma, tal ferramenta de proteção passa a ser indispensável para atuação médica neste novo cenário, em que o demandismo contra a classe médica e a transformação da relação médico-paciente para a lógica de consumo passam a ser a tônica.