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A responsabilidade civil da gestante na assistência pré-concepcional

 A vida do homem moderno esta permanentemente ameaçada pela doença, pela decrepitude, pela dor e pela morte, fantasmas caprichosos e persistentes que exigem constantes atenções e convincente esconjuro. São situações que levam médicos e pacientes a um ambiente em que a racionalidade dá facilmente lugar ao fantástico, tornando-se fácil alcandorar a semideuses os profissionais de tão duro mister, simultaneamente magos e sábios, eventualmente detentores da alquimia da cura. Neste contexto, a Arte Obstétrica, antes empreendida pelas aparadeiras no Século XIX, hoje por profissionais altamente capacitados e bem treinados, eleva a relação médico paciente a níveis impensáveis, já que o bem tutelado pelo médico é, antes da vida da própria paciente, a vida que ele fará surgir após o parto. Essa relação médico paciente nasce da confiança, cresce com a expectativa e se exauri com o nascimento.
Quando uma gestante procura um médico especialista e este, após a consulta a aceita como paciente, estabelece-se em geral um contrato de obrigação de meios e não de resultados, na medida em que não se pode garantir o sucesso esperado por ambos. A obrigação contratual do médico é a de dedicação, zelo profissional e prudência, e ele se torna responsável pelos prejuízos que forem decorrentes da negligência, da imperícia ou da imprudência, e não pelo resultado de seu trabalho, cabendo ao paciente provar que houve a falha na prestação do serviço médico.
No entanto, especialmente na assistência pré-concepcional, situações ocorrem em que as pacientes, por assim dizer, deixam de aderir ao tratamento preconizado, chegando ao ponto de abandoná-lo por completo. Diversas são as razões para tal fato, dentre elas a impossibilidade de arcar as despesas dos cuidados com a saúde, baixa autoestima, demora em suspeitar da gravidez e ainda diferentes conceitos individuais ou culturais acerca da importância do pré-natal.
Desta forma, para a paciente, o dever do médico de atendê-la com todo cuidado e atenção necessária a uma gestação segura, é um direito inafastável. Mas, para que este direito (atendimento e tratamento) obtenha o resultado almejado pela paciente, haverá a imperiosa necessidade da escorreita obediência e adesão ao tratamento indicado por seu médico assistente. A não adesão, ou até mesmo recusa ao tratamento indicado, pode acarretar o insucesso do trabalho de parto, transferindo a responsabilidade à paciente, e não ao médico que após anos de estudo científico foi submetido a risco pela paciente desidiosa. Esta tese jurídica encontra suporte no Artigo 945 do Código Civil, segundo o qual: “Se a vitima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.".
Deverá o médico, diante de todo o acima alinhavado e estando sendo demandado por sua então paciente, comprovar o fato desconstitutivo do direito da autora da ação, através da comprovação da ocorrência desta condição excludente de responsabilidade. Os instrumentos documentais de prova hábeis para tanto são: contrato de prestação de serviço médico, prontuário médico e termo de consentimento informado. Deve ainda, o médico assistente, diligenciar no sentido de comprovar que a então paciente fora devidamente cientificada do risco que assumiu ao deixar de aderir ao tratamento por ele indicado, ressaltando, por fim, que toda alegação colocada em Juízo necessitará ser comprovada, seja através de documentos ou até mesmo prova testemunhal.
Por: Erial Lopes de Haro, advogado da Assessoria Jurídica do SIMESC.


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