#

Dano moral praticado por pacientes em face de médicos e o dever de indenizar

 Nos estritos termos do Código de Ética Médica, a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano, sendo essa o alvo de toda a atenção do médico, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor da sua capacidade profissional, sendo vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Se o médico, em seu exercício profissional, agir de forma imperita, imprudente ou negligente, provocando dano ao paciente, ele poderá ser responsabilizado. A apuração do ato médico ocorrido, a gerar a correspondente responsabilização, pode se dar, a depender do caso concreto, em três âmbitos diversos, quais sejam: perante o Conselho Regional de Medicina, que possui a função judicante como umas de suas principais funções, ao realizar a fiscalização ética da profissão, investigando e julgando denúncias de delitos éticos, através de sindicâncias e processos ético-profissionais; perante o Poder Judiciário, na esfera civil e na esfera criminal.
É indiscutível o direito líquido e certo de todo cidadão manifestar o seu descontentamento com o atendimento prestado, questionando a conduta médica na esfera ou nas esferas cabíveis. É, portanto, direito constitucionalmente garantido buscar a apuração se houve ou não uma má prática médica.
Entretanto, se no curso da apuração do ato médico, ao pleitear um posicionamento ético e técnico (perante o Conselho Regional de Medicina) ou um posicionamento judicial (perante os órgãos do Poder Judiciário) relativamente ao atendimento médico prestado, o paciente (ou seu representante legal) extrapolar os limites do legal e do razoável e atacar a honra, a imagem e a reputação do médico, sua conduta pode ser enquadrada, conforme o caso, nas infrações penais de calúnia, difamação e injúria, previstas respectivamente nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro (Capítulo V – Dos Crimes contra a Honra). A responsabilização penal deste paciente pode ser buscada pelo médico, através da ação penal cabível. A questão trazida aqui é a do ilícito civil que é praticado pelo paciente quando ele calunia, injuria ou difama o médico, e a respectiva indenização por danos morais e/ou materiais que pode ser exigida nesses casos.
Por ato ilícito entende-se aquele praticado em descompasso com o ordenamento jurídico, ofendendo bem jurídico de outrem, e que acarreta como consequência a obrigação de indenizar. O Código Civil Brasileiro, em seu art. 186 assinala que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” . E a reparação para tanto se encontra no artigo 927 do mesmo Diploma Legal, que dispõe que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Assim, se ao buscar a apuração da conduta médica, o paciente ultrapassa os limites do exercício regular de seu direito e ofende a honra, a imagem e a reputação do profissional, atingindo, dessa forma a sua dignidade como pessoa, como ser humano, ele está violando a dignidade da qual o médico é dotado, em inegável ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988.
Acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet assim define: “Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (in Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 3ª ed. 2004, p. 59-60.)
Cada ser humano deve responder pelos seus atos e pelos abusos que cometer. Em casos de configuração de dano moral sofrido pelo médico, justificável e inarredável o dever de o paciente indenizá-lo.
A doutrina e a jurisprudência proclamam que o dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, ou seja, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a honra, a liberdade, a reputação, a atividade profissional, as manifestações intelectuais, entre outros. O dano ainda é considerado moral quando os efeitos da ação, apesar de não repercutirem na órbita de seu patrimônio material, causam dor, tristeza, angústia, sofrimento, ou humilhação à vítima, originando-lhe emoções e sensações negativas. Em um sentido amplo, dano moral é violação do direito à dignidade.
É cediço que em matéria de danos morais a lei civil não fornece critérios específicos para a fixação da quantia indenizatória. Justamente por isso a jurisprudência tem optado por confiar ao prudente arbítrio do julgador essa árdua missão de estabelecer um valor justo que amenize a dor alheia.
Tal valor deve ser fixado examinando-se as peculiaridades de cada caso, sendo que a condenação impingida deve estar de acordo com a sua tríplice função – punitiva, compensatória e pedagógica - a que toda indenização por danos extrapatrimoniais deve atender. A verba indenizatória deve ficar circunscrita a um patamar pecuniário que seja sentido patrimonialmente pelo ofensor, sem, todavia, trazer locupletamento indevido do ofendido.
Destarte, a indenização deve ser arbitrada de maneira razoável e proporcional, visto que, se o valor estipulado for ínfimo, indenização não há, e sendo excessivo, há enriquecimento injustificado daquele que foi lesado, hipótese esta com a qual o ordenamento jurídico pátrio não compactua. Ou seja, deve ser fixada de modo a não provocar enriquecimento sem causa à parte que a recebe e suficiente para que o ofensor não venha a reiterar na prática danosa.
Diante do acima alinhavado e perfilado aos princípios de defesa dos profissionais da área da saúde, o escritório LHML Direito Médico, ao patrocinar a defesa dos profissionais envolvidos, sendo o caso, promove os atos necessários à apuração do ilícito civil aqui alardeado, bem como operacionaliza os atos destinados à eventual persecução criminal.

Advogada Paula Mallet Lorenz - OAB/RS 56.869


  •