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Como está sua saúde, doutor?

 O médico clama por atenção e respeito. Há mais de uma década, instituições médicas alertam para este aspecto, que pode, em si, comprometer a saúde da população. O exercício da medicina, atividade nobre que está destinada a assistência de um dos maiores patrimônios do ser humano - a saúde, deve ser exercida por profissionais a sua altura, obviamente.

No entanto, os gestores da saúde e a sociedade não colaboram para a promoção do ambiente necessário para que o médico desenvolva e mantenha qualidades tão nobres. Precárias condições trabalho, com jornadas extenuantes, multiplicidade de atividades, desgaste profissional e estreitamento desenfreado do mercado trabalho, que poderá colapsar com a criação de escolas médicas por todo o país. Esses e muitos outros fatores têm colaborado para a deterioração da saúde do médico.

A satisfação para esse profissional é o acerto diagnóstico, a instituição da terapêutica adequada e bem sucedida. Por outro lado, o mesmo é cobrado a nunca errar e sempre fazer viver mais ou não deixar morrer ninguém, recebendo, na maioria das vezes, remuneração inadequada para tal. Dessa maneira o médico muitas vezes se vê obrigado a vender seu trabalho a valores não condizentes com a sua formação e seu preparo, sem com isso ter a segurança de um descanso anual remunerado ou mesmo contar com uma aposentadoria digna, a exemplo do que ocorre com algumas categorias como juízes e políticos.

Quando o médico exerce seu direito de reclamar por melhores condições de trabalho, o poder público muitas vezes utiliza o sentimento do povo acerca da medicina como sacerdócio para obrigá-lo a abdicar das suas atitudes contestatórias. Se à profissão se atribui caráter tão elevado, é fato que o médico se alimenta, paga tributos, cria filhos, tendo que enfrentar políticas de saúde terríveis. Desta forma, o sacerdócio médico constitui tanto uma coroa de glória quanto um fardo.

Mas qual a consequência deste contexto laboral adverso?

Trabalhos recentes demonstram que a saúde do médico não tem passado ilesa por todo esse processo de gradual piora das condições de trabalho. Alterações desencadeadas pelo estresse crônico como depressão, ansiedade, além do desenvolvimento de doenças orgânicas, são situações que tem estado presentes na vida do médico. Diferenças individuais (vinculadas a fatores genéticos, desenvolvimento e experiência) explicam a maior ou menor expressividade da ação mórbida desses estressores. No entanto, essas diferenças individuais são irrelevantes no contexto geral e não há como determinar antecipadamente quem é mais ou menos resistente ao estresse.

É frequente na rotina do médico, em conversas informais, reclamações a respeito da sua condição de saúde, denunciando o esgotamento e o limite das suas capacidades de suportar a dor, não somente física, mas emocional, e a sua perda em sentido amplo (prestígio, confiança, status,...). Isso provavelmente tem como uma das causas o esgotamento laboral, que potencializa o surgimento ou a acentuação de doenças orgânicas e psiquiátricas.

O burnout, termo que sugere a existência de um colapso no processo de adaptação ao estresse laboral crônico, tem sua expressão tipicamente relacionada ao trabalho. Trata-se de um apropriado refletor da situação desgastante do trabalho daquele que atua na saúde, que requer relacionamento frequente com chefes, subordinados e com aqueles que são alvo de sua maior atenção, os pacientes.  São sintomas relacionados aos que desenvolvem esta condição:

- os de caráter físico (dores musculares ou osteomusculares, cefaleias, perturbações gastrointestinais, imunodeficiências, transtornos cardiovasculares, distúrbios do sistema respiratório, disfunções sexuais)

- psiquiátrico-comportamentais (falta de atenção, baixa autoestima, depressão, paranoia, agressividade, ideação suicida, comportamento de risco, agressividade)

Em trabalho recente realizado pelo Conselho Federal de Medicina(CFM)* com questionários preenchidos por 7.500 médicos a respeito da saúde do médico do Brasil, foi bastante importante o caráter esclarecedor da condição em que esse profissional trabalha e qual relação que isso teria com sua saúde. Por esse trabalho comprovou-se que a 57% dos médicos apresentou grau preocupante de burnout.  Especificamente 33,9% em grau moderado e 23% em grau acentuado. Cinco em cada 100 médicos sentem-se sem esperança, infelizes e tem pensado em dar fim a própria vida, necessitando de uma avaliação mais rigorosa para a possibilidade de se tratarem de potenciais suicidas. Constatou-se também a presença de sinais de distúrbios psiquiátricos (ansiedade e depressão) em quase metade dos profissionais avaliados.

A partir da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), no trabalho, foi questionada a correlação do médico com 16 grupos de doenças. Entre as mais frequentes e que apresentariam maior relação com o exercício da profissão destacaram-se: doenças do sistema muscular e tecido conjuntivo e doenças do aparelho circulatório. Seguem-nas os transtornos mentais e comportamentais, com nítida predominância dos estados depressivos, evidenciado pelo grande número de antidepressivos utilizados.

*http://www.portalmedico.org.br/include/asaudedosmedicosdobrasil.pdf


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