Em matéria veiculada durante o final de semana, o presidente do SIMESC, Vânio Cardoso Lisboa avalia as clínicas populares:
“Irregularidade não existe, mas o sindicato vê com preocupação todo esse movimento. Não estamos dizendo que essas clínicas atendam sem qualidade, mas estamos acompanhando para ver o que vai dar daqui para frente”, declara e acrescenta que os médicos que normalmente atuam nestes estabelecimentos são aqueles que ainda não têm clientela formada. Assim, elas servem de trampolim para a carreira, já que não há muitos concursos públicos e abrir consultório próprio é muito caro.
Confira a íntegra da matéria das jornalistas Karine Wenzel e Gabriela Florêncio:
Com debandada de planos de saúde e sobrecarga do SUS, pacientes de SC recorrem a clínicas populares
Por: KARINE WENZEL E GABRIELA FLORÊNCIO
Diante do aumento do desemprego, que empurrou milhares de usuários para fora dos convênios, e da sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS), pacientes catarinenses têm recorrido às clínicas particulares com preços mais acessíveis para garantir consulta médica. Os preços nas chamadas clínicas populares variam bastante, mas podem ser encontradas opções entre R$ 60 e R$ 140 no Estado – o que representa cerca de um terço do valor cobrado em outros estabelecimentos privados.
Esses preços representam a oportunidade de acesso à saúde para uma parcela da população acostumada a percorrer uma via-sacra em busca de atendimento. Em Florianópolis, por exemplo, 66.336 solicitações de exames e consultas aguardavam na fila de espera do SUS em agosto.
A auxiliar administrativa Helenita Fernanda Coelho, 32 anos, mora em São José e esperou dois anos para conseguir uma hora com um ortopedista para o filho, Cauã, 8 anos. Depois de ouvir o profissional, quis uma segunda opinião para começar o tratamento a um problema nos pés do pequeno. Sem poder esperar mais dois anos, encontrou opção em uma clínica popular na cidade. Pagou R$ 100 e em uma semana foi atendida. Já aproveitou e marcou, pelo mesmo valor, uma consulta com o otorrinolaringologista:
– A gente sabe que essas consultas demoram muito pelo posto de saúde – diz.
Além disso, nos últimos dois anos 38,5 mil catarinenses saíram dos planos de saúde, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Especula-se que a queda tenha relação direta com o aumento do desemprego no Estado.
No caso da moradora de São José Ângela Costa, 60 anos, a família passou a depender do SUS após a aposentadoria do marido. A longa espera por atendimento, os levou até uma clínica popular no Centro de Florianópolis. Recentemente, foram atendidos por gastroenterologista e psicólogo. Cada consulta saiu R$ 68.
– Como vamos ter condições de pagar R$ 400 pela consulta? Quando tinha poder aquisitivo, tudo bem, mas agora está muito restrito. E os médicos são os mesmos que atendem em outras clínicas – diz Ângela.
A gerente administrativa dessa clínica, Fabricia da Silva Schenkel, afirma perceber mudanças no perfil dos clientes desde que o estabelecimento foi aberto, há 10 anos. Hoje, 56 médicos, de diferentes especialidades, atendem no local.
– O nosso objetivo e a demanda era de uma classe C e D. Com o passar do tempo, com a crise, demora dos planos de saúde, a classe B e algumas pessoas da A começaram a frequentar a clínica, principalmente profissionais liberais. Muitas vezes, eles mantêm o plano de saúde, mas procuram a clínica principalmente atrás de neurologista e cardiologista – analisa.
Para explicar como a empresa se mantém até hoje, Fabricia conta que a margem de lucro “é muito baixa e trabalha com volume grande”. Aí que reside uma das principais críticas às clínicas populares. Apesar de serem vistas como uma alternativa para a população, entidades médicas do Estado enxergam o modelo com preocupação, já que para dar lucro é necessário ter um fluxo grande de pacientes. Na prática, isso pode levar à queda na qualidade com consultas vapt-vupt.
Entidades médicas questionam qualidade
O presidente da Associação Catarinense de Medicina, Rafael Klee de Vasconcellos, diz que as clínicas populares são uma tendência no mercado e ganharam força há cinco anos nos grandes centros, como São Paulo. Agora, despontam nas principais cidades catarinenses. Ele diz que não há regulamentação dos preços cobrados, pois são clínicas particulares, mas lembra que a Associação Médica Brasileira (AMB) atualiza anualmente a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), tabela usada como referência para os honorários da categoria. Segundo essa orientação, uma consulta médica deveria sair por R$ 92, mas não é uma determinação.
Vasconcellos destaca que as consultas em outras clínicas particulares custam, em média, três vezes mais do que nas populares.
– Mas não tem problema cobrar menos, desde que o médico não faça a consulta três vezes mais curta ou gere três vezes mais exames complementares para substituir o tempo que ele não consegue se dedicar ao paciente. De maneira geral, medicina mal feita sai mais cara. O que nos preocupa é colocar essa pressão de mercado, escalabilidade para um serviço que não pode ser exercido como comércio.
O presidente do Sindicato dos Médicos do Estado, Vânio Cardoso Lisboa, acrescenta que é comum receberem denúncias de outros médicos acusando as clínicas populares de concorrência desleal:
– Irregularidade não existe, mas o sindicato vê com preocupação todo esse movimento. Não estamos dizendo que essas clínicas atendam sem qualidade, mas estamos acompanhando para ver o que vai dar daqui para frente.
Estabelecimentos rebatem críticas
Para Lisboa, os médicos que normalmente atuam nestes estabelecimentos são aqueles que ainda não têm clientela formada. Assim, elas servem de trampolim para a carreira, já que não há muitos concursos públicos e abrir consultório próprio é muito caro.
Dirigentes das clínicas rebatem as críticas e dizem que elas oferecem qualidade, inclusive com médicos experientes e que também atuam em outras unidades. A gerente administrativa Fabricia da Silva Schenkel admite, no entanto, que o tempo da consulta é um problema, mas em função da dinâmica dos médicos.
– A consulta aqui não difere da que eles fazem em outros consultórios, mas há médicos que são extremamente rápidos. O médico aqui vai focar na patologia, não no paciente, é uma consulta mais objetiva – explica.
Baseado em modelos de São Paulo, dois amigos fundaram há um ano uma clínica popular em Forquilhinha, em São José. Eles garantem que desde o começo uma das preocupações é com a qualidade do atendimento:
– Temos a obrigação de ter qualidade. Dar um atendimento humanizado, tratar a causa, não o problema em si – diz um dos fundadores, Juliano Gomes Camilo.
Ele garante que as consultas não são expressas e que duram em torno de 20 a 30 minutos.
O Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC), responsável pela fiscalização das clínicas, não concedeu entrevistas. O presidente Nelson Grisard se manifestou em nota dizendo que “não há impedimento legal no uso da denominação ‘clínicas populares’. Algumas delas, inclusive, utilizam bastante tecnologia e têm médicos qualificados”.
Oftalmologia e ginecologia têm alta demanda
Durante um mês, fortes dores abdominais preocuparam Roseli Adélia da Cunha, 55 anos. Sem plano de saúde, a primeira opção da dona de casa para diagnosticar o problema foi aguardar na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) em Joinville. Com as dores agravadas a filha, Iara Cristina da Cunha, buscou alternativas para ajudar a mãe. Em poucos dias, Roseli estava sendo examinada em uma clínica popular da cidade. A consulta saiu 50% mais barata do que em um estabelecimento convencional.
Nesta sexta-feira, a dona de casa retornou ao lugar para uma consulta oftalmológica. A filha também resolveu aproveitar o atendimento e marcou consulta para a mesma especialidade. Os cerca de 30 profissionais que atuam na empresa aberta em 2014 realizam juntos, em média, 2 mil consultas por mês.
A oftalmologia é uma das especialidades com maiores demandas. Também são bastante requisitadas consultas com ginecologista. Os estabelecimentos dizem que, dependendo da especialidade, o agendamento é para a mesma semana. Em uma clínica em São José, eles garantem o atendimento em 48 horas.
Mesmo com rapidez e disponibilidade de diversas especialidades, o mestre em Saúde Pública Walter Ferreira de Oliveira, diz que essas clínicas não resolvem o problema da saúde a médio e longo prazo:
– Em um cenário tranquilo [da saúde], as clínicas até poderiam ser úteis, mas o problema é visualizá-las como solução, solução é fazer o SUS como planejado.
O melhor meio é fortalecer o mecanismo que você já tem, como UPAs, hospitais, e regular os preços dos planos de saúde para torná-los mais acessíveis.
O que são
Para inaugurar uma clínica, é preciso uma autorização da Vigilância Sanitária do município e o credenciamento de um médico responsável. A fiscalização fica por conta do CRM-SC
As clínicas populares oferecem consultas com diversas especialidades e exames.
Elas são particulares, ou seja, não atendem pelo SUS
O maior diferencial está nos preços, que variam entre R$ 60 e 140, dependendo da clínica e especialidade
As consultas e exames são agendados.
Algumas só aceitam pagamento em dinheiro. Em outras, são aceitos cartões, inclusive é possível parcelar
O que conferir
O ideal é consultar o CRM do médico responsável técnico pela clínica para se certificar da garantia do serviço. É possível checar o cadastro aqui.
Neste site, também é possível pesquisar a especialidade do médico que irá fazer a consulta.
Fonte: Diário Catarinense