Waldir Araújo Cardoso, presidente da Federação Médica Brasileira
Desde os tempos de Imhotep, no Egito antigo, passando por Hipócrates, de Cós, na Grécia, aqueles que se dedicam à arte de curar têm o respeito das sociedades pela dedicação ao seu ofício e resultados obtidos. A Medicina era ensinada de mestre para discípulo. Na idade contemporânea o conhecimento científico foi sistematizado e passou a ser ensinado nas universidades. Em que pese este avanço, não há alterações na necessidade imperiosa dos alunos em terem mestres. E, na formação, além dos livros, aprenderem na prática, seja nos ambulatórios, seja na cabeceira do leito. Sempre sob supervisão.
Para responder à crise da saúde e à grita da sociedade por médicos, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff optou por autorizar, de forma indiscriminada, a abertura de novas escolas médicas. Até o final de setembro deste ano, contabilizamos 268 cursos de Medicina no Brasil, ranking inglório que nos deixa atrás somente da Índia, que tem 381 escolas médicas, e à frente da China, com 150 instituições de ensino.
O aumento vertiginoso atinge e coloca em xeque a qualidade do ensino médico tanto porque exige ampliar o número de professores qualificados, quanto pela inexistência de campos de prática suficientes. A velocidade com que as escolas estão sendo autorizadas e inauguradas não é a mesma para a formação de mais professores habilitados e muito menos, para estruturar ambientes propícios para o ensino da prática médica. E ensinar medicina, obrigatoriamente, passa pela prática, que é realizada em unidades de saúde sob a supervisão daquele mestre citado no primeiro parágrafo desse texto. O ensino do ofício médico não pode ser realizado de maneira virtual, somente na conversa de sala de aula e muito menos, somente com apresentação de vídeos e explicações de “power point”. Formar um médico de excelência exige o ambulatório, o hospital, o contato, a avaliação, a vivência e a convivência!
A abertura indiscriminada de cursos de medicina pode nos trazer, nos próximos anos, uma geração de médicos mal formados e despreparados para o mercado de trabalho, o que significa dizer, com competências aquém do necessário para o trato com pacientes e para a realização de diagnósticos e tratamentos adequados.
Além do incentivo à abertura de escolas médicas, grande parte delas particulares, o governo Dilma “brindou” os brasileiros e a categoria médica com um projeto que não disse a que veio. O Mais Médicos passou por seu prazo de implantação e não nos apresentou resultados positivos. Os dados comprovam aumentos de casos de sífilis, sem falar da invasão do mosquito Aedes aegypti, que no ano passado, maculou a imagem do Brasil às vésperas da realização das Olimpíadas e trouxe ao mundo uma geração de sequelados e de alto custo ao nosso sistema público de saúde devido à Zika.
Dilma foi afastada e nos deixou de herança uma aliança política que nos colocou nas mãos do governo de Michel Temer, que atinge a medicina, os médicos e o movimento sindical médico ao aprovar a Reforma Trabalhista e a terceirização ilimitada. A nova situação nos retira direitos por legalizar a falta de vínculo estável e por escravizar os médicos na figura do “autônomo exclusivo”. Aos sindicatos, a Reforma abala seus financiamentos, mas temos certeza, que não em sua legitimidade e representatividade. Não posso esquecer de citar o “brinde” que recebemos do governo Temer: um ministro da Saúde com formação em engenharia e que do tema de sua pasta só conhece o corte de fitas de inauguração de unidades hospitalares.
A saúde há anos agoniza sem apresentar melhoras. Mudam os governos, seguem as pressões das entidades médicas. Queremos participar, opinar, sugerir, compartilhar as vivências. Mas como os nossos pacientes que aguardam anos por um exame, uma cirurgia, uma consulta com especialistas, também estamos na fila aguardando a nossa vez.
O que nos diferencia? Estamos na fila mas não estamos quietos. Mudam os governos, mudam os gestores e nós voltamos à mesa. Queremos negociar, somos propositivos. Carreira de Estado para ocupar os vazios assistenciais com médicos, dentistas, enfermeiros e demais profissionais que contribuem diariamente para que tentemos sair de um país curativo para um país preventivo.
Queremos nos meter em tudo! Sim! É preciso que quem entende de saúde tenha reconhecido o direito de participar, de opinar, de orientar.
Há momentos em que olhamos para os lados e temos a sensação de estarmos sendo engolidos por um sistema político falido. Temos a impressão de que não vamos conseguir superar essa fase e parece distante o momento de comemorarmos algum grande feito governamental em benefício da sociedade que não tenha por trás algum tipo de manobra para beneficiar os ocupantes do poder.
A medicina está em perigo. Mas não serão governos medíocres que irão conseguir macular nossa milenar profissão. Nós médicos, somos fortes. Somos determinados. Somos orgulhosos do nosso ofício. Vamos enfrentar estas ameaças e superá-las. Pelo bem da Medicina, pela saúde e, sobretudo, por nossos pacientes e pela sociedade brasileira. Temos muito o que celebrar nesse 18 de outubro, Dia do Médico.