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22-09-2008 - Médico desabafa: saúde pública em Joinville está em coma

A comunidade médica também sofre com a questão da ineficiência do sistema de saúde pública de Joinville. A falta de médico, aliada à alta demanda por atendimento são os elementos que compõem a bomba-relógio dos prontos-atendimentos de saúde. E essa bomba está bem perto de explodir. Essa é a opinião do pediatra Marcos Campos, que atua, entre outros lugares, no Pronto-atendimento da zona sul.
O especialista alerta que hoje o problema da saúde está diretamente ligado à falta de médicos nos postos, que por conseqüência, acabam por atingir os PAs e hospitais. “Hoje o problema da superlotação, das filas e do alto tempo de espera nos PAs é resultado da falta de especialistas nos postos de saúde. Muita gente nos procura e apresentam casos que não são urgentes. O que acontece é que as pessoas sabem que não vão encontrar médicos nos postos de saúde e acabam trazendo aquelas consultas simples e rotineiras para os PAs. Os pronto-atendimentos deveriam atender e teoricamente seriam preparados para atender apenas emergência. Por isso, é que aqui está sempre cheio e a tendência, é só piorar hoje o salário que é pago para um médico trabalhar nos postos de saúde é irrisório e na maioria das vezes fica muito aquém de uma parcela da universidade de medicina, para se ter uma idéia”, explica o médico.
O pediatra, que também é oftalmologista vai além e mais uma vez comenta da falta de vagas nos hospitais, o que, por muitas vezes coloca os profissionais dos Pronto Atendimento em maus-lençois. “Não conseguimos transferir os pacientes em estado crítico para os hospitais, por falta de vagas na internação e nas UTIs, temos que ficar acompanhando o paciente em estado grave aqui no PA. Isso é um absurdo até porque não temos pessoal nem equipamentos para atender internações e pacientes que precisam de cirurgias, por exemplo. Para se ter uma idéia, na semana passada eu atendi a um garoto que estava com apendicite. Tinha que transferi-lo para o hospital para que ele fizesse a cirurgia. Todavia tentei o dia todo uma vaga e não consegui. Tive que deixá-lo na observação aqui no PA, o risco do paciente era muito grande. Mesmo assim não tinha o que fazer”, lamenta e denuncia o especialista.
Marcos Campos diz ainda que esses casos são freqüentes. “Toda semana temos de seis a sete pacientes que deveríamos transferir aos hospitais, mas somos impedidos, por falta de vagas. São casos de pneumonia, viroses fortes e outras doenças que necessitam de tratamento e cuidados minuciosos, impossíveis de serem realizados nos prontos-atendimento”, argumenta.
Para se ter uma idéia do caos da saúde em nossa cidade, o pediatra entrou em contato com o secretario de Saúde de Joinville exigindo uma providência para que pudesse desempenhar seu trabalho de forma coerente e transferir os pacientes do PA para os hospitais. “Eu liguei para o secretário, queria saber o que eu, enquanto profissional, deveria fazer com aqueles pacientes. Ele disse: Se não há vaga, não podemos transferir. E o secretario complementou. Vá até a polícia e faça um Boletim de Ocorrência comunicando do fato. Assim, se acontecer algo mais grave, você e secretaria têm como mostrar que tentamos fazer tudo o que estava a nosso alcance”, finaliza o médico, salientando, mais uma vez, que fica de mãos atadas diante da ineficiência do sistema.

“Trabalhamos estressados e sobrecarregados”
Por diversas vezes você já deve ter ouvido alguém que precisou utilizar o serviço público de saúde falar que “os funcionários trabalham por amor”. Ou então, “aqueles enfermeiros fazem muito mais do que deveriam” e ainda: “Os enfermeiros precisam se virar em 10 para atender a todos”, pois bem a reflexão realmente tem fundamento, pelo menos segundo o técnico de enfermagem Mario Ornieski, de 37 anos. Experiente, ele diz que já viu de tudo durante os plantões e resolveu falar sobre o estresse e a falta de incentivo para os profissionais da saúde.
Como trabalham hoje a maioria dos profissionais da saúde em Joinville?
Os funcionário, a maioria deles, estão cansados, estressados, geralmente trabalham em excesso, dois, três turnos ou dois, três lugares. Muitos não têm mais vida social nem com a família. Muitos estão desanimados, desmotivados para trabalhar. A maioria veste a camisa, trabalha por amor, às vezes sem condições.
Muitos têm dupla jornada. Como é isso?
Sim, sim. Uma pela questão de que gostam de trabalhar. Outra porque faltam profissionais especializados, pessoas que têm condições de trabalhar e depois pela questão financeira. O pagamento não é muito bom, por isso alguns se obrigam a trabalhar duas ou três jornadas.
Isso não compromete de alguma forma o trabalho prestado?
Para alguns eu acredito que sim. Tem pessoas que são mais equilibradas emocionalmente e psicologicamente, outros não.
E a saúde física e mental desses trabalhadores como é que fica?
Você tem que perguntar da doença, da saúde, a maioria como eu já salientei vive tensa, estressada, cansada, desanimada, com dores e isso vai gerando doenças.
Compensa trabalhar na saúde pública hoje?
Compensa, sempre compensa, no seguinte sentido: se você gosta de trabalhar, se você tem amor ao trabalho, compensa. Agora, se você está trabalhando apenas pelo dinheiro, não, aiínão vale a pena passar por tudo isso.
Como você avalia a questão da saúde em Joinville?
A saúde em sí está numa situação bastante complicada. Temos excesso de pessoas para atender, o espaço é pequeno, a demanda é maior do que a capacidade, não temos leitos nos hospitais, temos um excesso de propagandas em nível de saúde e de menos condições de trabalho, espaço e qualidade de trabalho materiais e assim por diante.
Isso é frustrante?
Geralmente sim, porque você não consegue prestar um atendimento de alta qualidade. Você tem que atender três quatro cinco pacientes num mesmo lugar numa mesma hora. Isso é desumano.
De quem é a culpa da saúde estar assim hoje?
Eu acho que o primeiro culpado é o povo. A população não sabe aonde procurar o serviço. Ela procura exatamente onde ela sabe que tem que ser atendido, independentemente de qual foi sua patologia. Ele vai chegando onde a porta estiver aberta. Isso e ruim. Outro culpado é porque não existe uma educação para a saúde. Não se educa para ter uma qualidade de vida ou de saúde, e sim uma qualidade de atendimento para a doença.
 
Fonte: Gazeta de Joinville - 22-09-2008


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