11-01-2008 - Onde SUS é sinônimo de excelência

Existe um Sistema Único de Saúde (SUS) que oferece tecnologia de ponta, é referência para outros países e remunera seus profissionais acima da média.
Pelo menos na área de transplantes de órgãos feitos pela rede pública isso é realidade, o que ajuda a explicar por que o Brasil é o segundo país com maior número absoluto desse tipo de procedimento, atrás dos Estados Unidos, e um dos seguidores do melhor sistema de transplante do mundo, o da Espanha.
O pagamento diferenciado é um dos principais responsáveis pelo sucesso do programa brasileiro de transplantes, que ocupa o topo da tabela do SUS. Enquanto uma cirurgia de coração tradicional é remunerada com valores médios entre R$ 4 mil a R$ 6 mil, um transplante do órgão ultrapassa os R$ 22 mil. O valor de um transplante de medula supera os R$ 57 mil, e de fígado, R$ 51 mil.
- O SUS remunera muito bem os transplantes, e isso faz com que haja um entusiasmo maior das equipes. Temos padrão de Primeiro Mundo - avalia o coordenador do Sistema Nacional de Transplantes, Abraão Salomão Filho, salientando que mesmo assim existe uma pressão para reajustar os valores, em razão do alto custo das operações.
Segundo o Ministério da Saúde, os preços são diferenciados porque os transplantes são os procedimentos de maior complexidade da medicina, exigindo alta especialização. O apelo público desse tipo de tratamento, que sensibiliza a sociedade por decidir entre a vida e a morte de um paciente, e a pressão histórica de movimentos organizados e ligados à área, contribuíram para a estruturação do setor.
- Se os transplantes fossem mal remunerados, não seriam feitos, porque toda a operação é cara. A remuneração gera competitividade para oferecer serviços mais sofisticados - analisa o secretário estadual de Saúde, Osmar Terra.
Inspirado no modelo espanhol, o sistema brasileiro alcançou o êxito a partir da descentralização, com articulação entre comissões hospitalares e criação de centrais estaduais para distribuição transparente e igualitária de órgãos. Apesar do alto custo, estudos mostram que o custo do procedimento é socialmente menor do que o de tratamentos paliativos, como a diálise, necessária para manter pacientes à espera de transplante de rim. Por ano, as sessões de diálise custam R$ 18.720, enquanto um transplante com doador falecido custa em torno de R$ 19 mil, sem contar as medicações.
- O transplante barateia o atendimento do paciente - avalia o médico José Camargo, diretor do Hospital Dom Vicente Scherer, do Complexo Hospitalar Santa Casa, o único do país especializado em transplantes e pioneiro na América Latina.
A trajetória da Santa Casa é uma mostra de como os transplantes alcançaram um padrão de excelência. Segundo Camargo, o hospital se deu conta de que deveria investir na área no início dos anos 80.
- Percebeu-se que era uma área de grande visibilidade, e isso era importante num momento em que a instituição estava decadente e precisava de apoio de empresários - recorda.

Rio Grande do Sul é o segundo Estado do país em doações
A repercussão do trabalho foi tão grande que, graças a doações da comunidade, o Hospital Dom Vicente Scherer pôde ser inaugurado dois anos depois do início de sua construção. Nos 24 meses seguintes, os transplantes na região duplicaram de 240 para 500 anuais. Por conquistas como essa, o Estado se tornou referência no país em transplantes. Atualmente, o Rio Grande do Sul tem o melhor índice de aproveitamento de órgãos. Entre os casos potenciais identificados e os efetivamente transplantados, a média gaúcha alcança 40% de aproveitamento, o dobro da nacional.
- Como existem equipes qualificadas e a opinião pública é favorável ao transplante, há credibilidade maior do sistema aqui - avalia o nefrologista Valter Garcia, coordenador de transplantes da Santa Casa e coordenador-adjunto da Central Estadual de Transplantes.
Paralelamente à qualificação da rede, campanhas públicas contribuíram para disseminar a preocupação com o assunto no Rio Grande do Sul, o segundo do país a mais dizer sim às doações. A média gaúcha é de 11,87 doações por milhão de habitantes, atrás de Santa Catarina, com 12,59 doações por milhão. Os índices são duas vezes a média nacional, de 6,02 por milhão, mas ainda estão distantes de padrões como o espanhol, com 30 por milhão. Paradoxalmente, a rede é tão boa que se tornou ociosa, por falta de doadores. Um dos desafios é ampliar a capacitação para que mais médicos não ligados diretamente aos transplantes identifiquem possíveis doadores. A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos estima que o país tenha ao menos 10 mil mortes encefálicas por ano, mas só metade é notificada às centrais de captação - um desperdício de 50%.
- O transplante é o único tratamento que depende da sociedade para acontecer. Todos precisam estar mobilizados - resume Camargo.


Fonte: www.pmf.sc.gov.br - Jornal Zero Hora (RS) - 11/01/2008


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