“A cirurgia, a doença, ela não avisa”, resume o publicitário Vicente Donice.
Fevereiro de 1996
A mãe de Vicente, Dona Nair, recebe o diagnóstico de câncer. Uma cirurgia de emergência é marcada. Mas o plano de saúde se recusa a pagar as despesas.
“Disse que faltava um mês de carência”, explica Zilda Costa, advogada da família.
Carência é o tempo previsto em contrato que o paciente precisa esperar antes de ter direito a todos os benefícios do plano.
Maio de 2007
“Acordei com uma dor no peito muito forte e eu tinha certeza que eu estava enfartando”, conta Maria da Glória Sader, diretora financeira.
Apesar da urgência da situação, Maria da Glória fica quase três horas esperando o atendimento que poderia salvar sua vida. O plano de saúde não havia autorizado a cirurgia. A família pagou a operação e hoje luta na Justiça contra a empresa.
“Eu tive condições. E quem não tem?”, questiona ela.
É o drama vivido por muitos dos 47 milhões de brasileiros com planos privados de saúde - mercado que movimenta R$ 41 bilhões por ano.
“Quase todos os dias nós ingressamos com ação na Justiça, com pedido de liminar, para garantir o tratamento dos pacientes”, conta a advogada Renata Silva.
No centro da questão, uma queda de braço entre consumidores e empresas de saúde. Isso porque em algumas situações os direitos do paciente prevalecem sobre o que está escrito em contrato.
É o que diz uma lei federal de 1998, que reduz para apenas para 24 horas o prazo de carência, se o paciente estiver correndo risco de vida.
“Mesmo que seja uma doença pré-existente, é direto do paciente ser atendido, por exemplo se sofre um enfarto, se tem problema sério relacionado ao câncer, se é um parto prematuro”, explica Daniela Trettel, advogada do Instituto da Defesa do Consumidor.
O plano de saúde de Dona Nair, a paciente de câncer, era anterior à lei de 98. Por isso, a empresa alegava que somente seguia o contrato. Mas esta semana, 11 anos depois de iniciada a disputa, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, no caso de Dona Nair, o plano de saúde seria obrigado a custear todo o tratamento, ainda que o período de carência não tivesse sido cumprido.
“A decisão do STJ é importante porque consolida o direto à vida em detrimento de questões econômicas e financeiras que estão no contrato”, afirma Daniela.
A Associação Brasileira de Medicina de Grupo, que representa os planos de saúde, disse que esta foi uma decisão isolada.
“O período de carência é algo sustentável, é algo ético, não é abusivo”, defende Arlindo de Almeida, presidente da associação.
Dona Nair morreu em 1999. Ela saiu do hospital na maca, já foi direto para uma cama e nunca mais levantou. O plano de saúde de Dona Nair, condenado esta semana a indenizar os herdeiros, ainda pode recorrer, mas o filho, Vicente, comemora.
“Ainda existe justiça. Ela pode demorar, mas um dia ela acontece”, diz ele.
Veja aqui a cartilha elaborada pelo Instituto de Defesa do Consumidor sobre planos de saúde.
Fonte: Encontre essa reportagem em:
http://fantastico.globo.com/Jornalismo/Fantastico/0,,AA1666141-4005,00.html
16-12-2007