O momento mais aterrorizante do novo filme “Awake” ocorre aos 34 minutos de exibição, quando o protagonista (Hayden Christensen) sente o bisturi cortando fundo em sua pele. Enquanto seu cirurgião (Terrence Howard) aprofunda a incisão, a platéia pode ouvir o paciente gritando de agonia, enquanto na tela se vê apenas um homem deitado numa mesa de operação, aparentemente inconsciente. Filmes e programas de televisão mostrando médicos como pessoas motivadas apenas por seus egos e com grande probabilidade de errar são comuns hoje em dia. Mas “Awake” leva a “licença poética” um passo além, trazendo à vida um raro fenômeno que os médicos de verdade estão tentando compreender. Conhecida como “consciência de anestesia”, ela ocorre quando o paciente acorda durante a cirurgia porque recebeu uma dose de anestésico menor do que a necessária. Na vida real, esses períodos geralmente são curtos.
Mas o paciente pode mesmo sentir dor, que vai de algo sutil ao insuportável. “Esses são os dois extremos da escala e há tudo que pode existir entre eles”, disse Peter. S. Sebel, professor de anestesiologia da Emory University e um dos maiores pesquisadores sobre o tema. “Nós não temos uma boa noção de quantos episódios são desagradáveis e quantos não são”. Tais nuances podem ter confundido quem assistiu “Awake”, que estreou em 30 de novembro nos EUA, uma data para a qual os anestesiologistas passaram meses se preparando.
A Sociedade Americana de Anestesiologia enviou um e-mail para seus 40 mil membros pedindo para que se preparassem para uma possível enxurrada de comentários negativos na imprensa e questões de pacientes que assistiram ao filme. No dia 2 de novembro, o presidente da sociedade, Jeffrey Apfelbaum, da Universidade de Chicago, advertiu os membros para que “permanecessem calmos em relação ao filme”. O que particularmente incomodou os médicos é a linha de comunicação adotado no marketing do filme, que afirma que “Awake fará com a cirurgia o mesmo que Tubarão fez com nadar no oceano”.
Gary Faber, vice-presidente executivo de marketing da Weisntein Co., que distribuiu o filme, afirmou que a empresa tinha consciência das preocupações dos médicos, mas não iria comentar suas críticas.
Manter um paciente desacordado durante uma cirurgia é um processo delicado. Os anestesiologistas normalmente administram diversas drogas a seus pacientes, incluindo uma agente paralisante que deixa a pessoa incapaz de se mover ou falar. Eles devem monitorar os sinais vitais durante todo o procedimento para assegurar que o paciente esteja anestesiado o bastante, mas não em excesso. “Uma anestesia muito profunda faz mal para o cérebro e pode causar disfunção cognitiva, mas se for muito leve, pode resultar em consciência”, afirmou James E. Cottrell, presidente da anestesiologia do Downstate Medical Center em Brookly, Nova York e ex-presidente da sociedade de anestesiologia.
A porcentagem exata de pacientes que se sentiram conscientes é difícil de calcular. Em 2004, num relatório baseado em vários estudos, a comissão Conjunta de Aprovação de Organizações de Assistência Médica calculou uma incidência de 0,1% a 0,2% -- ou 20 mil a 40 mil dos 21 milhões -- de pacientes que recebem anestesia geral todos os anos. Um estudo posterior concluiu que o número era muito menor -– cerca de 1400 pacientes.
Mas, se o número parece pequeno, os anestesiologistas admitem que o problema é real. “Todos os anestesiologistas sabem que o número não é zero”, disse Donald M.Mathews, diretor do programa do departamento de anestesiologia do Hospital St. Vincent em Nova York.
“Para mim, essa informação é importante”. Os pacientes que experimentam um nível mais alto de consciência sofrem horrivelmente, tanto durante quanto depois do procedimento. Pacientes que sentiram isso costumam afirmar que foi pior do que a própria morte e que rezaram para que Deus os deixasse morrer”, escreveu num e-mail Mark J.S. Heath, professor assistente de anestesiologia de Columbia. (No filme, ostensivamente anestesiado, o personagem principal descobre algo que é a grande motivação para a trama deste suspense: alguém esta tentando matá-lo).
Alguns anestesiologistas dizem que “Awake” poderia ter repercussões positivas. Daniel J. Cole, presidente da cadeira anestesiologia do campus da Mayo Clinic em Arizona, disse que muitos de seus colegas sentiram que “qualquer coisa que aumente a conscientização é algo positivo, uma vez que fará com que os consumidores fiquem mais bem informados”. Outros estão menos convencidos disto. “É uma sensacionalização e banalização de uma complicação resultante de anestesia”, disse Sebel. “Isso presta um desserviço aos pacientes e à profissão como um todo”.
Depois de assistir ao filme, Cole concordou com a avaliação, apesar de manter sua visão de que uma maior divulgação para consciência sobre a questão seria útil. “O que aconteceu naquela sala de operação”, declarou ele, “era algo tão fora da realidade que espero que não deixe no público norte-americano a idéia de que isso é o que realmente acontece”.
Sobre se os anestesiologistas foram assistir ao filme, as reações variaram. “Eu não tenho vontade de ir ver”, disse Apfelbaum. Mathews, de St.Vincent´s teve um ponto-de-vista diferente. “Nós todos vamos ver esse negócio”, disse ele. “Sabemos que todos os nossos pacientes vão assistir ao filme”.
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Fonte: Globo.com - G1 -
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL219709-5603,00-MEDICOS+TEMEM+REACAO+DE+FILME+QUE+FALA+DE+FALHAS+EM+ANESTESIA.html