Se 2006 ficou marcado pela farsa do geneticista sul-coreano Hwang Woo-suk, no ano passado até o papa Bento XVI se rendeu às pesquisas com células-tronco. A revista Time cita as inovações na área como a maior descoberta de 2007. Pela primeira vez, a medicina conseguiu transformar células da pele em células-tronco pluripotenciais induzidas (IPS, pela sigla em inglês), praticamente idênticas às embrionárias. Autora da façanha, a chinesa Junying Yu, da Universidade do Wisconsin (EUA), confirmou ao Correio que a reprogramação nuclear foi a grande notícia do ano. "As IPS obtidas de ratos desenvolveram a habilidade de se diferenciar em células germinais (células-tronco responsáveis pela formação de espermatozóides e óvulos)", explica.
O método ainda esbarra em riscos para a saúde humana, pois os cientistas usaram um retrovírus para implantar quatro genes nas células da pele. Yu acredita que em 2008 a tecnologia vai ser aprimorada. "Veremos uma geração de IPS sem a necessidade de integração genômica com o vírus. Isso fará com que vários modelos de doenças humanas sejam decifrados", afirma.
O norte-americano Thomas Ichim, chefe de desenvolvimento científico da empresa de biotecnologia Medistem, também deu sua contribuição: detectou uma fonte de células-tronco no sangue da menstruação. Mas prefere apontar como destaque de 2007 o estudo da colega Yu. "Pela primeira vez, usamos fatores químicos para reverter o 'relógio celular'. Fomos capazes de pegar células maduras e torná-las jovens novamente", explica. "Muitos dirão que as células geradas podem causar câncer, mas a importância dessa pesquisa vai muito além", acrescenta. Segundo ele, a tecnologia IPS tornará possível manipular o DNA de uma célula para originar tecidos jovens.
Menstruação
As células-tronco isoladas no sangue menstrual por Ichim e sua equipe parecem pertencer a um estágio intermediário entre as adultas e as embrionárias. "Apesar de serem uma população adulta de células-tronco, elas exibem várias propriedades positivas das células embrionárias, sem o risco de provocarem câncer ou rejeição", comenta.
A partir do sangue menstrual, os cientistas esperam criar diversos tipos de tecidos, como coração, ossos, fígado, pulmões, cérebro e rins. Uma única célula-tronco retirada da parede do útero pode crescer até 60 vezes e duplicar-se 68 vezes, sem perder a característica da pluripotencialidade. "Uma célula basta para prover novas células e tecidos para toda a população mundial", comemora.
Para 2008, Ichim espera um aumento no foco de agentes farmacológicos que modulem as células-tronco já existentes no corpo humano. A companhia canadense Stem Cells Therapeutics tem aplicado a técnica contra o derrame. Essas substâncias fornecem fatores de crescimento e ativam as células-tronco endógenas, a fim de que se multipliquem. "Também veremos tecnologias de diferenciação. As pessoas não farão apenas células-tronco a partir da pele ou do sangue periférico, mas começarão a regenerar tecidos lesionados", diz.
Cérebro
O sueco Milos Pekny, professor da Academia Sahlgrenska da Universidade de Gotemburgo e pioneiro nas pesquisas neurológicas, vê um profundo avanço na compreensão da biologia celular. "Isso vai nos tornar capazes de manejar doenças e melhorar o reparo e a regeneração de tecidos. Também nos permitirá entender os mecanismo moleculares ocultos no funcionamento normal do corpo humano", comenta. Pekny demonstrou que o sucesso com enxertos de células-tronco neurais pode ser aprimorado modificando-se a resposta dos astrócitos - as mais numerosas células do cérebro.
Até o ano passado, os cientistas acreditavam que os astrócitos eram responsáveis apenas pela nutrição dos neurônios. No entanto, descobriram que eles controlam a formação de sinapses e o fluxo sangüíneo no cérebro. "Também temos visto que eles determinam o número de células maduras que serão feitas a partir de enxertos de células-tronco neurais", revela.
Pekny reconhece que um dos aspectos mais intrigantes da ciência é que, ainda que se lance luz no desconhecido, quase sempre é impossível prever as próximas grandes descobertas. "Creio que em 2008 ganharemos muita informação útil sobre a capacidade regenerativa do nosso corpo", conclui.
Grandes avanços
Principais descobertas relacionadas às células-tronco em 2007
Líquido amniótico
O líquido amniótico, que protege o embrião e o feto durante a gestação, é uma fonte de células-tronco capazes de se diferenciarem em 200 tipos de células especializadas. Podem ser extraídas durante a amniocentese, método de diagnóstico pré-natal.
Reprogramação nuclear
Em novembro passado, cientistas das universidades de Wisconsin (EUA) e Kyoto (Japão) transformaram células da pele em células com características embrionárias,preservando sua pluripotencialidade - a capacidade de darem origem a diferentes tecidos.
Clonagem
Pesquisadores de Oregon (EUA) clonaram células-tronco embrionárias de macacos. Eles removeram o material genético de óvulos e injetaram o DNA de células da pele. Os embriões produziram células-tronco.
Menstruação
Japoneses concluíram que a cobertura das paredes do útero fornece 30 vezes mais células-tronco do que a medula óssea.
Coração
Em setembro último, uma equipe de médicos britânicos desenvolveu uma estratégia capaz de fazer com que células-tronco se transformem em células do músculo cardíaco, abrindo nova linha de pesquisa.
Testículos
Cientistas norte-americanos descobriram que os testículos são uma reserva de células-tronco adultas de fácil acesso, que poderiam transformar-se em células cardíacas ou nervosas.
Leucemia
Em janeiro, o médico sírio Ammar Hayani curou uma criança com leucemia ao implantar células-tronco retiradas do sangue do cordão umbilical.
Fonte: Jornal Correio Braziliense - 04-01-2008