Apesar de repetidamente alegar os altos custos na criação de remédios para justificar o preço ao consumidor, a indústria farmacêutica nos Estados Unidos gastou, em um ano, quase o dobro com publicidade do que com pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. Os dados, baseados nos valores de 2004, foram compilados por dois pesquisadores da Universidade de York, no Canadá, e publicados ontem na revista científica Public Library of Science Medicine.
Usando as informações disponíveis no IMS Health e no CAM, duas empresas que armazenam dados de venda e movimentação financeira de laboratórios farmacêuticos, eles descobriram que as companhias gastaram US$ 57,5 bilhões em propaganda. Nisso, estão incluídos distribuição de amostras grátis para pacientes, ações diretas com médicos - como pagamento de propagandistas, de passagens e brindes -, publicidade em revistas especializadas e patrocínio de congressos.
Nos Estados Unidos, onde a propaganda na televisão e no rádio sofre menos restrições que aqui, por exemplo, há gastos também com inserções comerciais, feitas durante todo o dia para diversos tipos de medicamentos. No Brasil, assim como no Canadá, a restrição é maior e pode ser feita somente para os produtos que não precisam de receita médica para serem vendidos, como alguns analgésicos e antigripais.
Já em desenvolvimento e pesquisa de novas drogas o investimento no mesmo período ficou em US$ 31,5 bilhões, de acordo com a Fundação Nacional de Ciência, que registra esses números. O valor inclui ainda verba de fundos públicos destinados à pesquisa industrial.
"É sabido publicamente há bastante tempo que as empresas farmacêuticas gastam muito para promover seus produtos, mas nem eu mesmo imaginaria que os valores seriam tão altos e tão maiores do que os destinados à pesquisa", afirmou um dos autores ao Estado, o pesquisador Joel Lexchin.
Especialista na relação da indústria de medicamentos com a sociedade leiga, ele foi um dos responsáveis por outro relatório que provocou polêmica ao afirmar que os laboratórios estão criando doenças para vender novos remédios.
Explicações
Na publicação, os autores citam o senador democrata Estes Kefauver, que, nos anos 50, comprou uma briga com esse setor da indústria ao afirmar que eles cobravam preços muito altos, elevados ainda mais por causa do marketing excessivo e no lançamento de produtos que não eram mais eficazes do que os já disponíveis.
A indústria assume o gasto com propaganda, mas nega a associação com os preços cobrados ao consumidor. "Em 2007, o investimento em pesquisa da indústria ficou em US$ 58 bilhões, mas os gastos com publicidade foram muito maiores, mantiveram essa mesma proporção, que é natural da área", afirma Jorge Raimundo, presidente do Conselho Consultivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). "Sempre que um remédio é lançado no mercado, a indústria precisa levá-lo ao conhecimento dos médicos, e faz isso por meio dos propagandistas, o que soma um preço alto", explica.
Ele usa um exemplo: a empresa inglesa GlaxoSmithKline, com 15 mil funcionários, investe anualmente cerca de US$ 5 bilhões em pesquisa. Quando lança um remédio, apenas nos Estados Unidos, ela mobiliza mais uma rede de 9 mil propagandistas, que atuam diretamente com os médicos. Fora todos os outros contratados ao redor do mundo.
"O preço final fica caro não por causa da propaganda, que é feita pessoalmente, mas dos impostos, da distribuição, da margem para a farmácia", diz Raimundo. No Brasil, de um remédio que custa R$ 10, cerca R$ 4,60 ficam para a farmacêutica - o restante representa impostos e distribuição.
A Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma) foi procurada, mas não quis se pronunciar, alegando que os dados são dos Estados Unidos e não do Brasil.
Números
US$ 57,5 bilhões é o quanto a indústria farmacêutica nos Estados Unidos gastou em 2004 com propaganda de medicamentos, de acordo com dados do IMS Health e do CAM
US$ 31,5 bilhões é o quanto foi gasto pelas empresas farmacêuticas, no mesmo período, para pesquisar e desenvolver novos remédios, segundo informações coletadas pela Fundação Nacional de Ciência.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo - 04-01-2008