04-01-2008 - Novos medicamentos, o longo caminho até o paciente

Antes de chegar até o paciente, um novo medicamento deve percorrer um longo caminho de estudos, testes e aprovações. Este processo, necessário para demonstrar a segurança e eficácia,é regulamentado por autoridades governamentais no mundo todo. O roteiro prevê estudos em laboratório, seguidos de modelos em animais antes de introduzir o medicamento em seres humanos.Depois são feitos estudos em grupos crescentes de pacientes, identificando em primeiro lugar sua segurança, seguido da avaliação das doses adequadas.
Todos estes estudos passam por aprovação prévia de autoridades e comitês de ética independentes, que avaliam questões como maus tratos a animais e o acesso de pacientes a tratamentos já comprovados. Tudo isso leva, em média, doze anos, sendo que as etapas de experimentação em seres humanos consomem dezenas de milhões de reais por medicamento, devido às necessárias precauções. Medicamentos genéricos passam por um "atalho". Acredita-se que, se um remédio tem o mesmo princípio ativo (responsável pelo efeito do remédio como ácido acetil salicílico e dipirona, por exemplo) e é absorvido por um grupo de voluntários sadios em velocidade e concentração próximas à absorção do medicamento de referência, tanto o genérico quanto o de referência devem ter também a mesma eficácia e segurança.
Para isso ser verdade, é necessário que seja possível comparar o princípio ativo do produto de referência e o princípio ativo do genérico. Os produtos biológicos - que constituem a família mais recente e sofisticada de medicamentos - trouxeram um novo desafio à ciência. Estes remédios são proteínas obtidas por processos complexos que resultam em uma mistura não homogênea, mas consistente em conteúdo. Uma proteína é dezenas de vezes maior que um sal, como o ácido acetil salicílico ou a dipirona. Não há método laboratorial que permita comparar dois produtos biológicos e afirmar que suas composições sejam idênticas. Assim, não é possível usar o mesmo processo de pesquisa usado para medicamentos genéricos.O Brasil, um dos pioneiros na regulamentação de produtos biológicos, definiu um caminho de comparação entre o medicamento biológico de referência e suas cópias.
O fabricante da cópia precisa apresentar um estudo de não-inferioridade. Neste estudo, o pesquisador aplica o remédio de referência e sua cópia a grupos de pacientes comparáveis (mesma idade, sexo, peso, características genéticas) e avalia um número limitado de parâmetros. Para entender o que são parâmetros, imagine, por exemplo, que a cópia de um remédio biológico para pressão alta tenha o mesmo efeito em reduzir a pressão, sem aumentar a incidência de dor de cabeça. Para a indústria dos similares e genéricos este tipo de estudo traz muitas vantagens em custo, mas, em termos de saúde pública, traz alguns riscos.
Estudos de não-inferioridade respondem somente a uma ou duas perguntas: respondem se o produto X tem a mesma eficácia do produto Y e não é inferior em relação a um, e apenas um, de seus efeitos adversos. Como todo remédio tem muitos desses efeitos e alguns remédios têm várias indicações, o estudo de não-inferioridade não permite compará-los por completo. Por exemplo: um remédio pode ser não-inferior em relação à dor de cabeça e enjôo, mas desconhecido quanto ao risco de provocar tumores, pois para este efeito adverso seria necessário testar uma população muito maior. Portanto, estudos de não-inferioridade não respondem as perguntas de eficácia e segurança, como faz o ciclo normal de estudos realizados com medicamentos novos (estudos em animais, seguidos de estudos com voluntários sadios, que determinam dose, eficácia e segurança).Os laboratórios devem ter a responsabilidade de realizar todos os estudos necessários para lançar medicamentos seguros e confiáveis. É importante perguntar: como assegurar que um medicamento biotecnológico tenha a mesma qualidade de um remédio submetido apenas a um estudo de não-inferioridade? Quais regras devem ser estabelecidas para que os remédios tenham qualidade e possam ser colocados no mercado sem colocar em risco a saúde dos pacientes? Estas perguntas devem ser respondidas por todos os órgãos responsáveis pelos lançamentos de medicamentos genéricos, sob pena de perdermos a confiança que a população lentamente vem adquirindo nos genéricos.

kicker: Deve haver garantia de que os genéricos tenham sempre boa qualidade.

Fonte: Gazeta Mercantil - 04-01-2008 


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