08-01-2008 - Células-tronco salvam sete crianças da morte

Os pais de 12 crianças norte-americanas entre 4 meses e 15 anos de idade contavam apenas com um milagre. E ele veio, na forma de células-tronco mesenquimais (estruturas consideradas "coringas celulares", capazes de se diferenciar em vários tipos de tecidos). Os pequenos pacientes tinham poucas semanas de vida, ao desenvolverem uma doença chamada de reação aguda do enxerto contra o hospedeiro (GVHD, pela sigla em inglês), após receberem transplante de medula óssea. A complicação ocorre em entre 30% e 60% das crianças transplantadas, quando as células do doador atacam o organismo do receptor. As mortes geralmente acontecem por falência do fígado, diarréia e hemorragia intestinal.
O pediatra indiano Vinod Prasad, cientista do Centro Médico da Universidade de Duke, em Durham (Carolina do Norte), tentou reverter o processo por meio de drogas imunossupressoras. Mas o tratamento não surtiu efeito e, diante da extrema gravidade do quadro clínico das crianças, o especialista decidiu ousar e usou as células-tronco. "Conseguimos alcançar a cura absoluta em sete dos 12 pacientes", afirmou Prasad, em entrevista ao Correio, por telefone.
O estudo foi publicado na revista científica New Scientist. A cura do GVHD ocorreu cerca de 28 dias depois da injeção, e as crianças receberam acompanhamento durante cinco meses. As células-tronco mesenquimais dos doadores foram isoladas, expandidas em cultura e refinadas pela Osiris Therapeutics Inc., empresa sediada em Columbia, no estado de Maryland. O produto ganhou o nome de Prochymal.
Uma das vantagens das células-tronco mesenquimais é que elas podem ser injetadas em vários pacientes, sem a necessidade de compatibilidade entre antígenos dos leucócitos do doador e do receptor (HLAs). Os HLAs são proteínas localizadas na superfície dos glóbulos brancos que desempenham importante papel de defesa imunológica. "Essas células definitivamente ajudaram todos os pacientes a obterem algum grau de resposta contra a doença, enquanto 58% deles alcançaram a cura", disse Prasad.
De acordo com o indiano, o Prochymal trabalhou de modos diferentes em níveis molecular e celular, a fim de reduzir a inflamação e promover o reparo dos tecidos lesionados.

Potencial
Prasad considera imenso o potencial das células-tronco na medicina terapêutica. No entanto, ele alerta que são precisos estudos controlados para avaliar a eficácia de qualquer tratamento, inclusive aqueles de base celular. Esta não é a primeira vez que as revolucionárias estruturas salvam pacientes da morte. Em janeiro de 2007, o médico sírio Ammar Hayani, oncologista e pediatra em Oak Lawn (Illinois), transplantou células-tronco extraídas do cordão umbilical e curou a leucemia em E.M., uma menina norte-americana de 3 anos. Hayani contou ontem ao Correio que E.M. não apresentou mais sintomas da doença desde 2004, ano do transplante.
A empresa Osiris Therapeutics Inc. vai começar em breve a terceira fase dos testes clínicos com o Prochymal. A meta será avaliar a segurança do medicamento em pacientes que não respondem a terapias com esteróides. A companhia pretende mobilizar 240 pacientes para os estudos, homens e mulheres entre 6 meses e 60 anos de idade. A nova etapa da pesquisa deve durar 180 dias.

Realidade versus ficção (palavra do especialista)
Após o início das pesquisas com células-tronco, pacientes que já não tinham esperança vislumbraram uma chance de tratamento para doenças até então incuráveis. Apesar de teoricamente possível, várias etapas do processo precisam ser elucidadas, e a utilização prática das descobertas ainda é uma incógnita. A ciência tem uma base estatística palpável e, mesmo quando há resultados impressionantes em dois ou três casos, existe a possibilidade de o acaso explicá-los. Ocorre que muitos, com o intuito de obter lucro, aproveitam-se e divulgam resultados nem sempre consistentes.
Entretanto, há também boas notícias. Resultados muito promissores foram alcançados pelo cientista Vinod Prasad, da Universidade de Duke. O caso em questão foi uma tentativa heróica justificada que felizmente obteve êxito, uma vez que todas as possibilidades convencionais haviam sido testadas e o risco de morte era iminente. Considerar problemas a longo prazo não seria pertinente quando não se tem outra opção. Não obstante os riscos, os efeitos de tais experimentos nos ensinarão mais sobre a segurança do tratamento. Talvez este seja um dos resultados mais consistentes obtidos até o momento no que se refere às células-tronco em humanos.
Pesquisas sérias - como os da Carolina do Norte - são peças adicionais que, aos poucos, temos encaixado no quebra-cabeças de conhecimento do processo de formação e diferenciação de tecidos. No futuro, mais pessoas vão vivenciar a alegria experimentada pelos pais das crianças tratadas nos Estados Unidos.

Carlos Gropen Jr. é médico, consultor de saúde do Correio Braziliense e professor da faculdade de medicina da UnB.

Fonte: Corrreio Braziliense - 08-01-2008


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