Um homem com forte suspeita de contaminação por febre amarela no Distrito Federal está internado em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Santa Luzia. O paciente é Graco Carvalho Abubakir, 38 anos. Ele deu entrada na emergência da unidade na última sexta-feira. Graco apresentava febre alta, dores no corpo, dor de cabeça, diarréia e náuseas. A Secretaria de Saúde também investiga outros dois casos de contaminação, embora as chances sejam pequenas.
Além de apresentar os sintomas da doença, Abubakir, que é morador do Lago Norte, esteve entre 29 de dezembro e 1º de janeiro no município goiano de Pirenópolis, localizado a cerca de 150 quilômetros de Brasília. O local é considerado endêmico pela quantidade de vegetação existente. Os sintomas e as condições são os mesmos apresentados pelo trabalhador rural João Batista Gonçalves, 31 anos, que morreu na última sexta-feira, em Goiânia, suspeito de ter contraído a doença.
Gravidade
Segundo laudo médico do Hospital Santa Luzia, Abubakir respira por aparelhos e está submetido a hemodiálise. A doença só pode ser confirmada por exame de sorologia, realizada após o sétimo dia do surgimento dos sintomas ou por biópsia hepática, que não foi realizada devido ao estado grave de Abubakir.
Avaliações clínicas realizadas quando o paciente deu entrada na emergência revelaram que Abubakir não é vacinado contra a febre amarela. De acordo com o infectologista do Santa Luzia, Henrique Marconi, o estado crítico tem evoluído de forma rápida. "Quando ele chegou, ainda conseguia conversar. À noite já respirava por aparelhos", afirmou. Os exames passaram a ser realizados a cada seis horas e apresentaram um quadro grave de evolução. O boletim médico divulgado ontem informava que o paciente apresentava síndrome de disfunção de múltiplos órgãos - insuficiência hepática, respiratória e renal.
A página de Graco Abubakir no site de relacionamentos Orkut revela que ele é fã dos esportes. Gosta de hipismo, vôlei, corrida e spinning. A descrição de sua personalidade feita por ele aponta características positivas: "Extrovertido, alegre, engraçado, amigo", se definiu. Um recado de encorajamento já foi deixado por uma amiga. Os recados também revelaram que ele fez aniversário no último dia 28 e apontam que as comemorações foram justamente em Pirenópolis.
Os outros dois casos suspeitos foram registrados em Sobradinho e na Asa Norte. Uma mulher de 29 anos, moradora de um assentamento rural de Goiás, deu entrada no Hospital de Sobradinho, no último sábado, com dor abdominal, febre e vômitos. O quadro dela é estável. Já um paciente de 34 anos, morador de São Sebastião, morreu no último sábado. O exame macroscópico descartou febre amarela. Mesmo assim foi feita necrópsia do corpo.
Resultado em 6 dias
Os resultados dos exames nos três casos suspeitos de febre amarela devem sair em até seis dias. Fragmentos das vísceras de dois dos pacientes foram coletados e encaminhados para o Laboratório Central do Distrito Federal. "Até lá, tudo são suposições. Não há motivos para alarde", declarou o secretário de Saúde, José Geraldo Maciel.
Ontem, a secretaria determinou que todos os hospitais particulares do DF façam a notificação de qualquer caso suspeito da doença. "Agora, estamos todos interligados. Se um paciente der entrada com os sintomas da doença, nós ficaremos sabendo de imediato", afirmou Maciel.
A Secretaria de Saúde vai contar ainda com o apoio do Exército. A pasta espera apenas o sinal verde do Comando-Geral para colocar os homens nas ruas. "É importante destacar que nós iniciamos esta campanha em setembro do ano passado. O Exército virá para complementar nosso trabalho de conscientização", reforça o secretário. A expectativa é que eles atuem durante 30 dias em regiões consideradas de risco, como São Sebastião e Planaltina.
No total, mais de 230 mil pessoas foram imunizadas desde o início do ano. Somente ontem, 30 mil foram aos postos, segundo levantamento da Secretaria de Saúde. O órgão estuda agora estender o horário de funcionamento dos postos de vacinação, além de mantê-los abertos nos próximos finais de semana.
Antes de deflagrarem a campanha contra a febre amarela, o DF já tinha imunizado 91% dos adultos e 93% do total de crianças. A meta é chegar a 100%. Existem ainda 300 mil doses disponíveis para serem aplicadas. "Temos todos os ingredientes para deixar Brasília longe dessa doença. Mas precisamos do apoio da população", pediu Maciel. No Distrito Federal, desde 1996, dois casos foram registrados e levaram os pacientes a óbito. Em Goiás, esse número sobe para 66 casos e 30 mortes. No País, de 1996 a 2007, houve 349 casos da doença, com 161 mortes.
Corrida aos postos de saúde
Durante todo o dia de ontem, a corrida pela imunização contra a febre amarela nos postos de saúde do Distrito Federal foi intensa. A notícia de que três pessoas estão internadas em Brasília com a suspeita da doença só foi divulgada no final da tarde. Mesmo assim, desde cedo, em algumas unidades, a população enfrentou filas devido ao aumento na procura. Muitos ignoram a validade de imunização da vacina por dez anos e buscam os postos para reaplicar a dose.
Até a última sexta-feira, mais de 200 mil pessoas haviam sido vacinadas contra a doença. O motorista Antônio Ferreira, 45 anos, ficou assustado com a notícia da morte de um lavrador em Goiânia. "Essa notícia da morte em um estado tão próximo fez com que ficássemos em alerta. Preferi me precaver para não correr o risco, a prevenção é sempre a melhor alternativa", comentou.
Já a família Oliveira foi motivada pela campanha e presença constante do assunto na mídia. "Tanta exposição do tema faz com que a gente lembre de olhar o cartão de vacinação. Só aí percebi que a vacina tinha vencido", comentou a funcionária pública Leila, 43 anos, que foi ao posto acompanhada do marido, Luís Cláudio, 43, e do filho Luís Eduardo, 12, que também foram imunizados. Como eles vão passar o fim de semana em uma fazenda em Goiás, preferiram não arriscar. "Achei melhor não adiar a vacina", completou.
Sem medo
Apesar da preocupação popular, as secretarias de Saúde do DF e de GO acreditam que não há motivo para alarde. "O DF está tranqüilo, temos uma excelente cobertura vacinal. A campanha continua normal como tem sido nos últimos anos. Todo ano tem vacinação", frisou o subsecretário de Saúde, Joaquim Barros.
Para ele, essa corrida aos postos de saúde é desnecessária. "Não temos esse medo de surto. As pessoas podem ir normalmente às unidade de saúde, sem pressa. Temos vacina suficiente para vacinar toda a população se for preciso, não há necessidade de pânico", garantiu. Segundo o subsecretário, mais de 95% da população estavam imunes contra a febre amarela antes de iniciada a campanha no final de dezembro do ano passado.
Água Mineral fica fechada
O Ministério da Saúde enviou nota ao Ministério do Meio Ambiente solicitando que mantenha o Parque Nacional fechado por pelo menos 15 dias. A média de circulação de três mil pessoas por dia na Água Mineral impossibilitaria um controle da entrada dos freqüentadores. "A imunidade é feita por vacinação individual. A operacionalização de conferir o cartão de vacina de cada pessoa é muito difícil. Por isso é mais prudente esperar a confirmação dos exames para que a população volte a freqüentar o local", frisou o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Gerson Penna. No local, foram encontrados dois macacos mortos.
Apesar do registro de mortes de macacos em áreas periurbanas, isto é, próximo à áreas urbanas, não existe motivo para alarde, segundo o secretário. "A febre amarela é uma doença potencialmente fatal, mas que possui vacina com 99% de eficácia", reforçou ele.
Mosquito é que transmite
A febre amarela é uma doença transmitida por mosquitos infectados. Desde 1942, o Brasil não registra casos urbanos da infecção. Persistem no País, porém, os casos de febre amarela silvestre. A doença é transmitida por dois mosquitos presentes nas matas, os quais, quando infectados, contaminam macacos. Acidentalmente, quando homens não vacinados ingressam nessas regiões, podem também ser infectados pelo mosquito.
A transmissão urbana da doença ocorre por meio do Aedes aegypti, inseto transmissor também da dengue. Pessoas contaminadas podem ser picadas pelo inseto que, por sua vez, contamina outra pessoa (veja infografia acima). Para evitar que tal ciclo se instale, é preciso reduzir os focos do mosquito transmissor e aumentar a cobertura vacinal.
Goiás
No Brasil, a preocupação de contaminação tem ocorrido principalmente entre os moradores do estado de Goiás. No estado vizinho foram encontrados 42 macacos mortos - foram 11 no DF.
Mesmo com o pânico inicial, provocado pela morte do trabalhador rural, o estado também está preparado para o aumento na procura pela vacina. Segundo a secretária interina de Saúde, Maria Lúcia Carnelosso, o objetivo da campanha é conscientizar a população. "Trabalhamos com a precaução de todas as pessoas. Quem freqüenta zona rural, seja a passeio ou a trabalho, deve ficar mais atento. Na zona urbana estamos fazendo um controle, nas zonas silvestres intensificamos a imunização", revelou.
Segundo ela, 800 mil pessoas ainda não estão imunizadas. Cerca de 500 mil já se vacinaram e o Estado recebeu reforço de 200 mil doses de vacinas do Ministério da Saúde.
Fonte: Jornal de Brasília - 08-01-2008