O Palácio do Planalto não quer assumir a paternidade da proposta, mas a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira com alíquota menor, de 0,20%, será levada adiante, garante o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana. A justificativa é tirar a saúde pública da UTI.
Entrevista // Henrique Fontana
Líder na Câmara diz que ministros negam ligação com a proposta para que ela pareça vir da sociedade
O governo defende a aprovação da proposta de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) com alíquota menor, de 0,20%, e toda a arrecadação destinada para o financiamento da saúde pública. Só não quer aparecer como pai da idéia. Quem garante é o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), habitué das reuniões realizadas no Palácio do Planalto. Formando em medicina, o deputado considera correta a atitude de ministros, como José Múcio Monteiro (Relações Institucionais), de negar em público apoio à iniciativa.
Diz que faria o mesmo. Primeiro, porque o Senado rejeitou em dezembro, por diferença de quatro votos, a prorrogação do imposto do cheque até 2011. Segundo, e mais importante, porque a idéia agora é dissociar a nova proposta do governo, conferindo-lhe contornos de iniciativa da sociedade organizada, interessada em resolver um dos principais problemas enfrentados pela população. "As pessoas de bom senso estão vendo que os hospitais estão em dificuldade, que as pessoas estão na fila, que às vezes morrem sem poder fazer um transplante", declara Fontana.
"A recriação de uma contribuição financeira é o que chamo de um ato de solidariedade, que não tem de passar por uma discussão cotidiana do embate entre governo e oposição", acrescenta. Fontana promete procurar a oposição para negociar o texto, que não será incluído na proposta de reforma tributária. Espera que DEM e PSDB, depois de terem derrotado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim do ano passado, sentem-se à mesa levando em consideração as prioridades do país. "Ficarão numa posição extremamente constrangedora os setores que insistirem em radicalidade que impeça a solução desse problema da saúde."
Governo quer recriar CPMF
Por que o senhor e outros líderes governistas defendem a recriação da CPMF?
Porque temos uma visão de que a saúde pública precisa ampliar seus recursos. Temos um sistema público, o SUS, que oferece muitos e bons serviços à população. Mas estamos num patamar que ainda não é o suficiente para as necessidades do país. A minha idéia é recuperar uma alíquota de 0,20% para colocar recursos adicionais na saúde. E sem substituir outras fontes de financiamento. A redação que estamos construindo é para evitar aquilo que ocorreu no tempo do doutor Adib Jatene (ex-ministro da Saúde, criador do imposto do cheque), quando o país aceitou aprovar a CPMF e depois ela substituiu outras fontes.
O senhor levará a idéia adiante apesar de ministros terem negado, na semana passada, apoio à iniciativa?
Eu compreendo bem os ministros, tenho falado com eles. O governo tentou prorrogar a CPMF, mas não conseguiu os três quintos de votos necessários no Senado. Então, agora a idéia é que seja um debate de Estado brasileiro, com diálogo com toda a sociedade e os partidos que rejeitaram em dezembro e que poderão aprovar numa outra votação. Eu sei, por exemplo, que o senador José Nery (PSol-PA) tende a votar a favor de uma proposta como esta de 0,20% para a saúde. Por isso que os ministros, corretamente, estão dizendo que a proposta não é do governo, mas de todos aqueles que defendem a idéia de que a saúde precisa de mais recursos para ampliar serviços.
O governo vê com bons olhos a iniciativa, mas não quer aparecer como o pai da idéia?
Exatamente, até porque o governo tem consciência de que a saúde precisa de mais recursos, tanto que propunha isso. Quando votamos a regulamentação da Emenda 29 na Câmara, já estava previsto que a saúde receberia mais recursos a cada ano, além do PIB nominal (previsto na Constituição). O que o governo está fazendo agora? Está fazendo um esforço hercúleo para repor R$ 18 bilhões que a CPMF colocava na saúde anualmente. O nosso movimento quer recursos novos, além do crescimento do PIB nominal. A nossa idéia é caminhar pelo Brasil e criar um ambiente de compreensão de que o Brasil merece um sistema de saúde pública com financiamento maior do que o atual.
Depois do aumento do IOF e da CSLL para compensar o fim da CPMF, a oposição disse que não negociaria mais com o governo. O senhor não acredita nesse discurso?
Oposição e governo sempre têm de negociar. Seria uma posição incompreensível na democracia a ruptura de diálogo, sobre qualquer coisa, porque oposição e governo têm responsabilidade com o país e, portanto, têm de negociar para buscar soluções para os problemas do país. Dentre eles, o da saúde, que em todas as pesquisas aparece com uma das grandes reivindicações da população.
A tentativa de recriar a CPMF não é uma demonstração da dificuldade que os políticos têm para cortar despesas? Não é o caminho mais fácil para equilibrar as contas?
Não. A dificuldade de cortar despesas é real não só para os políticos mas para qualquer cidadão, porque a despesa pública é de boa índole. Uma das emendas de bancada do Rio Grande do Sul é para as universidades federais. Outra emenda é para reassentamento de uma favela que impede a ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho. São obras de altíssimo interesse público. Então, a possibilidade de cortes deve sempre ser procurada, afinal há despesas que podem ser melhor geridas, mas não dá para falar num corte de R$ 30 bilhões.
Mesmo porque um corte substancial era bandeira do candidato do derrotado PSDB à Presidência em 2006.
Esse candidato não faria corte nenhum. Quando estiver no governo, não fará, porque a população precisa de que o recurso público seja bem gerenciado e financie obras de interesse. Por que não queremos cortar recursos do PAC? Porque o PAC é a alavanca fundamental do crescimento econômico que o Brasil recuperou no último ano e que queremos que se mantenha, e se possível, aumente um pouco. Crescimento econômico é de interesse de todos. Todos gostariam de pagar menos impostos, mas a preocupação maior da população é ver o imposto pago bem usado. Se eu disser que vamos colocar R$ 20 bilhões a mais e aquilo vai resolver o problema da saúde pública no país, acho que a maioria apoiará. Não digo isso porque sou do governo ou da saúde. Digo porque as pessoas de bom senso estão vendo que os hospitais estão em dificuldade, que as pessoas estão na fila, que às vezes morrem sem poder fazer um transplante. A recriação de uma contribuição financeira é o que chamo de um ato de solidariedade, que não tem de passar por uma discussão cotidiana do embate entre governo e oposição.
Os argumentos são praticamente os mesmos apresentados no ano passado. Por que o desfecho da votação seria diferente na nova tentativa?
Tínhamos o apoio de todos os governadores, de todos os secretários de saúde, de todas as entidades representativas dos prefeitos. Tivemos bem mais do que três quintos de votos na Câmara e faltaram quatro votos no Senado. A proposta quase foi aprovada. Imagino que num novo ambiente, fora daquela disputa política absurda que ocorreu... Acho que a Fiesp não fará contra um tributo exclusivamente destinado a resolver o problema da saúde pública a mesma cruzada que fez contra a CPMF. Ficarão numa posição extremamente constrangedora setores que insistirem em radicalidade que impeça a solução desse problema da saúde.
A recriação será incluída na proposta de reforma tributária?
Será dissociado porque se não daremos curso para o discurso de parte da oposição de que a proposta é uma iniciativa do governo. Não queremos que seja algo do governo, mas do mundo da saúde, das pessoas que estão em concordância com essa visão de que é muito nobre fazer o esforço de pagar 0,2% da movimentação financeira, com exceção dos isentos, para resolver a saúde.
O senhor acha que a proposta de corte de emendas de bancada prosperará?
Sobre o corte de gastos, temos de ter também um ambiente de diálogo nacional. Não é o governo que decidirá onde cortar. Agora, adianto que essa tarefa é dificílima. Todo corte dói muito. A quase totalidade das despesas públicas previstas no Orçamento é importante e positiva par ao país. Vou suspender um concurso público? Isso significa retardar a implantação de uma nova universidade. Outro dia ouvi o líder do Democratas dizer que o nosso governo é o governo da gastança. Eu queria que ele saísse do discurso genérico e mostrasse concretamente. Que fizesse um lista dizendo onde está a gastança. Que dissesse 'suspenda esse concurso público porque sou contra abrir essa universidade' ou afirmasse 'não dê mais aumento para aquele servidor porque sou contra a melhoria das condições de trabalho daquele servidor'. Não estou vendo gastança. Vejo um governo responsável, que amplia os gastos públicos no sentido da necessidade da população.
O fato de ser ano eleitoral dificulta os cortes?
Evidentemente que sim, porque as lideranças querem ver as obras e os investimentos incluídos na proposta de Orçamento realizados.
O ministro José Múcio trabalha a fim de acelerar as nomeações para cargos de segundo e terceiro escalões, o que pode facilitar aprovação de projetos. O senhor concorda com a necessidade de realizar as nomeações o mais rapidamente possível?
Essa tarefa não está nas minhas responsabilidades cotidianas. A composição do governo é tarefa do presidente e dos ministros. Então, vou evitar declarações nesse sentido.
Mesmo lidando diariamente com a insatisfação dos aliados na Câmara?
A nossa base sabe que a nossa harmonia é muito importante para o país, porque temos compromisso com o projeto de governo. E a sustentação do governo do presidente Lula evidentemente não está vinculada à nomeação de fulano para determinada função. As nomeações fazem parte do cotidiano e têm de ser resolvidas dentro dessa naturalidade.
Fonte: Jornal Correio Braziliense - 14-01-2008