Foi com a frase "ganhei um amigo" e um abraço que o ex-secretário da Saúde de Joinville, Norival da Silva, despediu-se do ex-superintendente da Secretaria de Estado da Saúde, Ramon da Silva, com quem dividiu a cela da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) desde segunda-feira.
Acusados de serem os principais responsáveis por um esquema de corrupção, ambos deixaram a carceragem no final da tarde de ontem, beneficiados por habeas-corpus assinado pelo desembargador Antônio Fernando do Amaral e Silva, do Tribunal de Justiça. Os outros dois suspeitos que também estavam presos foram liberados na noite de quarta-feira.
Para o magistrado, "não foram apontados fatos concretos, extraídos do inquérito ou de fontes policiais, que demonstrassem a necessidade da privação da liberdade dos envolvidos para evitar o bom andamento das investigações em curso".
Visivelmente abalado e caminhando com dificuldade, Norival não respondeu às perguntas da imprensa. Disse, apenas, que falaria com jornalistas sobre as acusações do MP a partir de hoje. Da sede da Deic, Norival seguiu para um consultório médico, onde passaria por uma bateria de exames. Ele passou mal na cela na noite de quarta-feira.
Ramon da Silva também não comentou as acusações. Ele deixou a Deic abraçado à esposa e acompanhado dos filhos.
O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho disse que os telefonemas apontadas pelo MP como principais indícios de crimes contra a administração pública são "conversas pinçadas fora do contexto".
Como funcionaria o esquema
Ramon da Silva, ex-superintendente administrativo da Secretaria Estadual de Saúde, acessava a lista de credores da Secretaria de Estado da Saúde e procurava empresários que tinham dinheiro a receber do Estado.
Ele oferecia os serviços de uma empresa da Capital para intermediar o pagamento.
Em troca, os empresários pagavam uma porcentagem do valor recebido.
O que deve acontecer agora?
Como todos os oito envolvidos estão em liberdade, o Ministério Público de Santa Catarina tem até 30 dias para formalizar ou não a denúncia contra eles. Segundo o promotor-substituto da Moralidade Pública de Joinville, Francisco de Paula Fernandes Neto, o Ministério Público irá continuar com as investigações. Se decidir denunciar, isso deverá ser feito apenas em fevereiro, quando o responsável pelo caso, promotor Assis Marciel Kretzer, voltar das férias.
Se houver denúncia, o juiz da 2ª Vara Criminal de Joinville, João Marcos Buch, que retornou de férias antecipadamente para tratar do caso, irá intimar os denunciados, que terão 10 dias para apresentar a defesa por escrito. O magistrado vai analisar para ver se há indícios de crime contra a administração pública e formação de quadrilha.
Se forem confirmados os indícios, um processo crime é aberto. Os envolvidos, testemunhas de defesa e de acusação serão interrogados. Ao final de todas as audiências, o juiz deverá promulgar a sentença a favor ou contra os suspeitos. Segundo o magistrado, a previsão é de que o processo se encerre em cinco meses.
Sigilo
O Diário Catarinense também teve acesso aos nomes dos outros seis investigados. Mas, a pedido do Ministério Público, eles não serão divulgados nesta edição para não atrapalhar as investigações e evitar pré-julgamento.
Algumas suspeitas do MP*
Norival Silva, ex-secretário municipal da Saúde de Joinville; o ex-superintendente administrativo Ramon da Silva e um intermediador teriam agido em conjunto para exigir dinheiro de fornecedores de produtos e serviços da secretarias Estadual de Saúde e Municipal de Saúde de Joinville.
Norival Silva teria se aproveitado de seu cargo de secretário municipal da Saúde e de sua experiência na área para praticar os atos ilegais. "Integra o conluio, aliciando corruptores a fim de influir no favorecimento de pagamentos e negócios da Secretaria Estadual da Saúde", segundo o promotor de Justiça Assis Marciel Kretzer.
Um dos oito investigados, que é sócio-proprietário de um comércio de produtos médicos-hospitalares, oferece vantagens indevidas a Norival Silva com objetivo de favorecer sua empresa junto à Secretaria Estadual da Saúde.
Pelo menos cinco empresas teriam sido beneficiadas com as transações a partir de Norival Silva.
As conversas interceptadas apuraram até a tentativa irregular de liberação de um caminhão apreendido no Paraná carregado com equipamentos para o Hospital São José. Nessa ocasião teria ocorrido tentativa de suborno.
Os indícios levantados pelo MP também apontam que o grupo teria formado uma quadrilha para desvio de dinheiro público. Agiria também com a finalidade de antecipar empenhos, evitar licitações, ofertar e pagar vantagens indevidas e interferir nos regulares processos e procedimentos administrativos.
Os contatos entre os oito envolvidos eram freqüentes.
*As informações constam no despacho do juiz João Marcos Buch, da 2ª Vara Criminal de Joinville, que determinou as prisões temporárias.
Os crimes citados no despacho do juiz João Marcos Buch
Concussão
Praticado por funcionário público. Consiste em exigir vantagem indevida.
Pena - prisão de dois a oito anos e multa.
Corrupção ativa
Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar alguma ação.
Pena - prisão de dois a 12 anos e multa.
Corrupção passiva
Solicitar ou receber vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
Pena - prisão de dois a 12 anos e multa.
Tráfico de influência
Solicitar, exigir, cobrar ou obter vantagem ou promessa de vantagem.
Pena - prisão de dois a cinco anos e multa.
Pagamento de faturas com preterição da ordem cronológica da apresentação
Admitir ou possibilitar modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual durante a execução dos contratos com o poder público, sem autorização em lei ou pagar fatura sem cumprir os prazos.
Pena - prisão de dois a quatro anos e multa
Formação de quadrilha
É caracterizado formação de quadrilha quando mais de três pessoas se juntam para cometer crimes.
Pena - reclusão de um a três anos.
Fonte: Diário Catarinense - 18-01-2008