O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, foi nomeado com o apoio do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Apesar de estar na cota do partido, chegou com o status de ministro técnico, não político. Lançou um programa ousado, o PAC da Saúde, mas encerrou o ano sem a CPMF, imposto criado com o propósito de financiar o setor. Mas não foi apenas a batalha pela CPMF que o ministro perdeu no ano passado. Temporão luta contra a volta da febre amarela, da dengue, e viu a discussão sobre a legalização do aborto ser vetada pela Conferência Nacional de Saúde. Em fevereiro, ele quer retomar com o Conselho Nacional de Saúde o debate em torno do projeto das fundações públicas de direito privado, para modernizar a administração dos hospitais públicos, que está parado no Congresso.
Temporão acha que muitas das "derrotas" que teve no ano passado são naturais, por ter colocado, no debate nacional, temas polêmicos. A seguir, trechos da entrevista que deu ao Valor:
Valor: Por que um país que se propõe a ter uma legislação moderna, discutindo aborto e uma gestão responsável nos hospitais, não consegue erradicar doenças como a febre amarela?
José Gomes Temporão: São duas coisas completamente diferentes. A febre amarela silvestre nunca será erradicada porque este é um país que tem matas, mosquito, macacos e vírus. O que tem de fazer é ter política de vacinação da população brasileira, que reduza ao mínimo o risco de as pessoas morrerem. É o que está sendo feito. A curva de número de casos e de óbitos desde 2000 é descendente. Este ano, especificamente, teve uma alteração possivelmente pela mudança no padrão de circulação do vírus na floresta.
Valor: Por que o ministério não faz uma campanha de vacinação entre os ciclos da doença?
Temporão: Nos últimos dez anos, a Fiocruz entregou 100 milhões de doses da vacina para o Ministério da Saúde. A população das áreas de risco está protegida. Significa que as pessoas que vão entrar nas áreas de risco têm de estar vacinadas. Não há nenhuma justificativa técnica, política, econômica, epidemiológica nem sanitária para vacinar a população brasileira inteira contra febre amarela.
Valor: Sem a CPMF, o PAC da Saúde ficou inviabilizado?
Temporão: O PAC da Saúde engloba R$ 90 bilhões, dos quais R$ 24 bilhões seriam recursos adicionais da CPMF e R$ 66 bilhões recursos da lei orçamentária. Evidente que, se não tenho os R$ 24 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões viriam este ano, terei de rever as metas.
Valor: Os recursos da CPMF tinham destinação específica no PAC?
Temporão: Os R$ 24 bilhões eram na verdade para as coisas novas aumento de cobertura, ampliação do número de transplantes, a criação de serviços para cirurgia, neurologia, incorporação de novas vacina ao calendário do PNI (Programa Nacional de Imunização), o teto financeiro novo para os Estados, reajuste seletivo da tabela do SUS. O impacto é inevitável.
Valor: Como recompor isso?
Temporão: O Congresso Nacional tem de encontrar uma saída estrutural e não conjuntural, definitiva, que permita ao sistema de saúde cumprir, nos próximos anos, o que está previsto na Constituição brasileira. Saúde universal, de qualidade, com eficiência, atendendo a todos os brasileiros, sem uma base de financiamento que me dê condições para isso, é irreal.
Valor: Quando o governo encaminhou a proposta orçamentária ao Congresso, previa se crescimento do PIB de 4,5% em 2007. O PIB deve ter superado 5% e é ele que vai reajustar o orçamento da saúde deste ano. Isso não é suficiente para recompor as perdas pelo fim CPMF?
Temporão: Pouco. Não tenho idéia ainda dos números refinados. Mesmo que signifique aumento de recursos e vai significar não recompõe a perda.
Valor: E o que será feito com os R$ 66 bilhões que sobraram do PAC da Saúde?
Temporão: A maior parte dos recursos para o fortalecimento do parque industrial da Saúde virá do BNDES. O encaminhamento de projeto de lei ao Congresso proibindo fumo em ambiente fechado está garantido, bem como a proibição da venda de bebidas em estradas federais. O que tem mais impacto são as ações que exigem recursos novos.
Valor: Quais seriam?
Temporão: Queremos aumentar em 50% o número de transplantes. Para fazer isso é preciso aumentar os centros de captação de órgãos, os centros transplantadores, comprar equipamentos. Os recursos hoje garantem 15 mil transplantes/ano. Para fazer 22,5 mil, preciso de mais dinheiro.
Valor: Durante toda a tramitação da CPMF, o governo dizia que sem ela a saúde viraria um caos. Veio o pacote de início de ano, com medidas para recompor o caixa e não se apresentou nada especificamente para a saúde. Por quê?
Temporão: Como os recursos da saúde estão constitucionalmente garantidos, o governo vai ter de buscar de outras fontes. É uma situação delicada. Ainda bem que a saúde tem uma base de financiamento mínimo, que lhe garante uma certa autonomia.
Valor: Entidades ligadas à área médica e alguns parlamentares da base defendem uma nova CPMF.
Temporão: Essa coisa só vai ficar mais clara na volta do ano legislativo. Do ponto de vista político é muito justo.
Valor: O sr. surgiu no governo com o status de técnico, não político, cheio de idéias novas, entrou 2008 sem a CPMF, com projeto das fundações parado na Câmara dos Deputados e o debate sobre o aborto rejeitado pela Conferência de Saúde. Não são muitas derrotas?
Temporão: Meu balanço é positivo. Acho que houve uma repolitização da saúde. Coloquei pontos no debate que fogem um pouco ao padrão tradicional, o que é um perigo. Assustam a sociedade, que preferia continuar discutindo a fila do hospital, o aumento do número de leitos de UTI. Essa é uma visão pobre de saúde.
Valor: Como está o projeto das fundações estatais?
Temporão: O deputado Pepe Vargas (PT RS) elaborou um substitutivo. Vou em fevereiro à reunião do Conselho com o deputado para discutir o novo texto. Ao mesmo tempo, o governo do Rio aprovou, de Sergipe aprovou, da Bahia aprovou, a prefeitura de Nova Iguaçu e algumas do interior de São Paulo aprovaram. A idéia ganhou corpo e começa a se disseminar. O Rio daqui a seis meses começa a criar as primeiras fundações.
Valor: Mudou alguma coisa essencial no texto?
Temporão: O substitutivo incorpora os 12 pontos propostos pelo Conselho Nacional de Saúde ao texto, sem comprometer o que nós queremos, que é a questão da eficiência. Os movimentos sociais exigiram que o projeto original já incluísse controle e fiscalização social, transparência do concurso público, entre outras coisas. Estamos simplesmente antecipando algo que já viria no projeto de criação da fundação.
Valor: E quanto ao aborto, a iniciativa está morta?
Temporão: Para mim não, continua viva. A Conferência Nacional de Saúde rejeitou. É um ato político, mas ela não tem poder imperativo. Sinaliza uma posição conservadora. Por outro lado, os movimentos feministas, que defendem essa posição, continuam ativos e mobilizados. O Congresso é que tem de decidir a questão. Tenho clareza que é uma questão que vai levar muitos anos para ser discutida e avançar. Há perguntas que ninguém consegue responder: alguém é a favor do aborto? 99,9% das pessoas provavelmente vão dizer que não. A outra é: alguém é a favor que mulheres que são levadas a fazer o aborto sejam presas? Essa pergunta está sem resposta. A minha é efetivamente não.
Fonte: Valor Econômico - 29-01-2008