O surto de febre amarela, que já matou dez pessoas em Goiás, expôs a fragilidade do sistema público de saúde. Às pressas e sem planejamento, cerca de dez milhões de doses de vacinas foram distribuídos em um mês, quase a mesma quantidade de doses aplicadas entre janeiro e novembro de 2007. E mesmo assim muita gente ficou sem vacina. O que deixa uma pergunta no ar: se a demanda pela vacina se multiplicou da noite para o dia, por que não é vendida e distribuída também pela rede hospitalar privada? Na verdade, o laboratório Pasteur já entrou com pedido na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar a vacina e repassá-la à rede particular. Mas a autorização enfrenta resistência. A vacina, que custa R$ 0,90 a dose, é produzida pela Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, que exerce o monopólio da venda para o Ministério da Saúde. Por questões de política pública, o governo entende que a vacina tem de ser distribuída gratuitamente.
Se assim é, por que a Fiocruz não aumenta então a atual produção de 16 milhões de doses? A fundação até que está fazendo um esforço nesse sentido, a pedido do Ministério da Saúde. Mas levará 30 dias para transformar o concentrado viral em produto final. "Houve necessidade de dobrar os turnos de trabalho", explica o diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz (o Biomanguinhos), Akira Homma. Outra providência que o Ministério tomou para equilibrar oferta e demanda foi a suspensão das exportações de vacina. Maior produtor mundial de vacina contra a febre amarela, o Brasil passou a somar ao estoque interno parte dos 15,5 milhões de doses, que são exportadas anualmente.
"Posso garantir que a situação está totalmente sob controle. Não há riscos"
A medida é bem-vinda, mas não resolve o problema de quem fica na fila. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro está sem o produto há 15 dias. Na semana passada, os 24 postos de saúde, que deveriam fazer a profilaxia da febre amarela, não dispunham da vacina. O Ministério explicou que "os critérios de distribuição têm observado, rigorosamente, a ocorrência de casos humanos de febre amarela" e, diante disso, a cobertura do Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Tocantins é prioritária.
O governo resiste à privatização e promete que, daqui para frente, não vai faltar vacina. "Posso garantir que a situação está totalmente sob controle. Não há riscos", garante o ministro José Gomes Temporão. "As pessoas estão mais informadas. Elas poderão passar o Carnaval tranqüilas." Em dezembro, mais de um milhão de doses de vacinas foram remanejados do Amazonas, Minas Gerais e Pará para atender Goiás e Distrito Federal. Mas a demanda surpreendeu. O Ministério calculava que 250 mil pessoas deveriam ser vacinadas no DF. O total subiu para 1,376 milhão. Estimava-se que 500 mil goianos receberiam a vacina. Foram mais de dois milhões. E a tendência é aumentar, já que os estudantes da Universidade Federal de Goiás estão obrigados a apresentar o cartão de vacina para assistir às aulas, depois que um vigilante morreu. Minas Gerais também entrou para a área de risco e um novo remanejamento foi feito. A afobação é tanta que algumas pessoas estão se vacinando duas vezes. Já há mais de 30 casos de internações por reações à vacina. "A grande procura por vacinação provocou um fenômeno ruim", adverte Temporão. "Hoje temos mais pessoas internadas com problemas pelo uso inadequado da vacina do que com suspeita de febre amarela."
Fonte: Revista Isto É - 03-02-2008