26-02-2008 - Samu de SC recebe 229 trotes por dia

O culpado pela demora no atendimento do Serviço de Atendimento Móvel de Emergência, o Samu, pode ser seu vizinho de porta. Especialmente se for criança. Os trotes são o principal motivo das linhas congestionadas no 192. E a gurizada é a responsável por enorme fatia dos 83,6 mil trotes aplicados em Santa Catarina em 2007. Preocupante estatística que corresponde a 34,2% do total de 244,7 mil chamadas feitas no ano passado para as sete centrais do Samu em Santa Catarina. É muito, mas fica abaixo da média brasileira: 40%. Os dados são do Ministério da Saúde.
O trote é quase sempre igual. Dura segundos. Mas é suficiente para complicar a vida de quem realmente precisa do serviço. É só fazer contas rápidas para entender o quanto essas ligações tiram do sério. São 229 trotes por dia nas centrais de Santa Catarina – quase dez a cada hora. Ou, uma ligação de mau gosto a cada seis minutos.
Em Santa Catarina, a região Norte é campeã disparada nessas ocorrências. No ano passado, foram 31,2 mil trotes em 65,8 mil chamadas. Traduzindo: um trote para cada chamada real. A região de Joinville responde por mais de um terço dos trotes ao Samu no Estado. “Nós só podemos pedir mais consciência da população e lutar por medidas mais enérgicas”, diz Maurício Benneton de Medeiros, coordenador do Samu em Joinville. A menor proporção é a da Grande Florianópolis: 4,5 mil trotes em 31,3 mil chamadas – ou um em cada sete telefonemas.
Na prática, é tanto trote que os atendentes, às vezes, nem têm tempo para registrar o número no sistema. E olha que o procedimento não é complicado. Basta olhar o número no identificador dechamadas, digitá-lo no computador e clicar sobre o ícone que coloca aquele telefone na lista “proibida” do serviço.
Segundo o Samu nacional, esse tipo de ligação atrapalha por dois motivos. Primeiro: congestiona as linhas telefônicas, atrasando ou até impedindo o atendimento. Segundo: gera corridas desnecessárias. Em nota, o órgão diz que “isso coloca em risco a vida de quem está à espera de socorro”.
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“Ô moça. Tem um caminhão cheio de armas aqui. Eu sei onde tá escondido.”
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                         Jovem já telefonou 3,8 mil vezes este ano

As histórias contadas pelas técnicas em enfermagem que fazem a triagem das ligações seriam até engraçadas, não fosse a importância do tema. Nas 12 horas diárias em que ficam com os fones, elas escutam de tudo. Na regional de Joinville, um homem já havia ligado, do início do ano até o final da tarde de ontem, 3.832 vezes. Liga, grita algo como "pega eu", fala alguma coisa e põe o fone no gancho.
Apuração do Samu mostrou que o jovem, de 24 anos, tem problemas mentais. Mora no Planalto Norte com a família, Mas passa boa parte do dia sozinho. O rapaz ficou conhecido entre as equipes de plantão como "Pega eu", frase que ele repete toda vez que liga para o 192. Tem também o "FBI", um sujeito que liga dezenas de vezes por dia avisando de caminhões cheios de armas e drogas, e também prevê incêndios "onde vai ser muito, muito difícil chegar".
Em Joinville, possivelmente, está um recorde. Em 8 de fevereiro, o Samu recebeu 220 trotes do mesmo número. Em 27 de maio de 2007, foram 144 telefonemas de um orelhão da cidade para o Samu. A polícia é acionada algumas vezes. Centenas de boletins de ocorrência já foram feitos. O retorno é quase zero. Inclusive no caso "Pega eu", cuja família já foi avisada várias vezes.
A irresponsabilidade atrasou também o atendimento de um homem em Joinville, na semana passada. Vítima de outro trote – um falso seqüestro – ele infartou. As linhas do Samu estavam congestionadas e a chamada demorou para ser atendida. O homem acabou morrendo.

                                   Saída de escola é horário de pico

Uma hora – das 16h50 às 17h50 – foi suficiente para perceber a intensidade das ligações. Nesse horário, ontem, a reportagem de A Notícia registrou os trotes recebidos no Samu de Joinville. Foram 73 – mais de um por minuto. Atendimentos mesmo foram três. Um ficou na orientação por telefone. Uma senhora perguntava se poderia beber cerveja porque tomava antidepressivo.
Segundo o coordenador do Samu, Maurício Medeiros, entre 11 e 13 horas e 17 e 18 horas é o horário de pico. As crianças desligam logo, às vezes, após a bronca das atendentes, que alertam sobre o serviço e até ameaçam chamar a polícia. Com adolescentes é mais difícil. Eles tentam convencer as atendentes.
"Coincide com a saída das escolas. Dá para ouvir o barulho das crianças passando no pátio. As diretoras deveriam tomar providências", diz Medeiros. Para ele, se houver ligações seguidas vindas de um orelhão dentro da escola, a linha deveria ser cortada.
O promotor de Justiça Diaulas Ribeiro diz que, no caso das crianças, os pais devem ser responsabilizados. "Se não sabem o que os filhos estão fazendo, vão ficar sabendo por intimação do Ministério Público." Ele também defende a suspensão das linhas telefônicas. "Se for celular, corta o número. Uma forma de mau uso é expor a saúde das pessoas a riscos."
Para reduzir os trotes, o governo estuda a implantação do projeto Samuzinho. Os alunos serão informados da importância do atendimento em emergência. Para os marmanjos, vale dizer que o trote pode dar de um a três anos de cadeia e multa. Há condenações no País, mas são poucas e transformadas em penas alternativas como lavar por um ano as ambulâncias do Samu.

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“Tenho carro e casa na praia. Quer casar comigo?”
“Bateu o carro moça. Ali na frente, bateu!”
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                                 Homem processado após falso acidente

No dia 20 de janeiro, o Samu de Jaraguá do Sul foi surpreendido por um telefonema que mobilizou socorristas e policiais de Corupá, além de patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal (PRF): o trote de um homem que se dizia acidentado por volta das 22 horas, às margens da BR-280.
Todas as guarnições, no limite entre Jaraguá do Sul e Corupá, rastrearam o veículo acidentado até as 4 horas do dia seguinte. “Ele gritava desesperadamente e dizia que a esposa estava desmaiada enquanto ele e o filho permaneciam presos nas ferragens. Dava até para ouvir os gritos de uma criança ao fundo", lamentou o coordenador do Samu de Joinville, Gilberto Ziemann.
“Foi quando descobrimos um número celular de propriedade de ‘Adelino’ (sobrenome não divulgado) e fomos até o endereço em Jaraguá do Sul, em companhia da PM.” Assustado, o suspeito, maior de idade, foi encaminhado à delegacia e confirmou ser o dono do celular, mas ainda tentou se safar afirmando que o aparelho havia sido emprestado para um amigo chamado Maicon. Mas não soube dizer onde o tal Maicon morava ou trabalhava.
Ao perder tempo com a falsa ocorrência, os socorristas deixaram de atender a fatos reais no mesmo período, como dois casos de derrame cerebral, ferimento a facão em ataque cardíaco. A administração do Samu entrou com processo contra Adelino, com base no Código Penal.

 Para seu filho ler

 Não é legal
Pessoas que estão em perigo ou doentes podem pedir ajuda por telefone. Um dos números é o 190, da Polícia Militar. Outro é o 192, das ambulâncias. Muita gente brinca ligando para esses números sem precisar. É o trote.
O trote faz com que as equipes de socorro percam tempo tentando salvar gente que não precisa. Quando isso acontece, pessoas acidentadas ou doentes ficam sem socorro.
Você não quer que isso aconteça, então não deve ligar sem motivo para os números 190 e 192. Nunca se sabe o dia em que você ou sua família vai precisar da ajuda e ela pode demorar porque alguém ocupou o telefone com um trote.

Fonte: AN 26-02-2008


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