06-03-2008 - Células-tronco: Supremo adia decisão

Um dos mais esperados julgamentos da história do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiria sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, acabou suspenso. Após cerca de cinco horas de debate, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo. Ao solicitar mais tempo para análise, provocou um adiamento que pode levar pelo menos 30 dias, o que foi lamentado pela presidente do tribunal, Ellen Gracie.
A mais alta corte brasileira julgaria uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a Lei de Biossegurança. Em 2005, a lei autorizou a utilização de células-tronco de embriões inviáveis (sem possibilidade de desenvolvimento) ou congelados há mais de três anos para experiências científicas.
Antes mesmo de se iniciar o julgamento, Menezes Direito antecipou que pediria vista da ação de inconstitucionalidade, encaminhada pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. Ele confirmou sua intenção quando se desenhava na corte uma posição favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias.
O relator do processo, ministro Carlos Ayres Brito, foi o primeiro a votar contra a ação de inconstitucionalidade, ou seja, a favor das experiências científicas. Num voto que poderia influenciar seus pares, por ser o relator, Ayres Brito argumentou que a vida só começa após o nascimento.
- Vida humana é o fenômeno que transcorre entre o nascimento e a morte cerebral. No embrião, o que se tem é uma vida vegetativa que se antecipa ao cérebro - declarou.
A presidente do STF, Ellen Gracie, seguiu o relator e antecipou seu voto. Justificou que o "pré-embrião não acolhido no útero não se classifica como pessoa". Na mesma linha, o ministro Celso de Mello elogiou o voto e também sinalizou que iria contra a ação de inconstitucionalidade. Cientistas lamentaram o adiamento.
Antes de começar a sessão, a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Projeto Genoma da Universidade de São Paulo (USP), observara que um postergamento seria frustrante:
- Simplesmente iremos adiar essa expectativa e vamos adiar a pesquisa.
Manifestante se atirou da cadeira de rodas
A preocupação com o exato instante em que começa a vida norteou as discussões no STF. Entre os contrários ao uso de células de embriões, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sustentou haver "consistente convicção científica" de que a vida humana acontece já a partir da fecundação.
- E o artigo 5º da Constituição garante a inviolabilidade da vida - reiterou Souza.
Representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a maior opositora das pesquisas, o advogado Ives Gandra Martins garantiu que experiências com células embrionárias nunca apresentaram resultados positivos, nos últimos 10 anos. Em contrapartida, afirmou que as pesquisas com células-tronco adultas têm "resultados excelentes".
Alinhado entre os favoráveis às pesquisas, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Tofolli, respondeu que as células-tronco salvariam vidas. Se utilizadas, poderiam ajudar na cura de doenças graves, como diabetes, doença de Parkinson e Alzheimer.
O plenário de 246 lugares do STF lotou com o julgamento. Telões foram instalados para facilitar o acompanhamento da sessão. No lado de fora da corte, houve protestos.
O presidente da Associação de Pais e Amigos dos Portadores de Distrofia Muscular de Americana (SP), Lourival Ferreira, jogou-se da cadeira de rodas.
Ferreira rastejou na entrada do Supremo, antes de ser acudido por jornalistas.
- Quero que os ministros vejam o que a doença faz com a gente - gritou. Não há data certa para o STF retomar o julgamento. Teoricamente, o ministro Menezes Direito - que pediu vista da ação - tem prazo de 30 dias para se manifestar, mas ele pode extrapolar este prazo.
Então, a presidente Ellen Gracie poderá colocar o processo em pauta novamente.

Tire suas dúvidas
O que são células-tronco embrionárias?
São células presentes nos embriões humanos capazes de se multiplicar e dar origem a qualquer um dos mais de 200 tipos de tecidos que formam o nosso corpo.
Por que elas são importantes?
Porque cientistas esperam aprender a controlar o processo de multiplicação dessas células a fim de injetá-las no corpo humano e substituir tecidos danificados por doenças ou traumas. Isso poderia fazer com que vítimas de lesões na coluna recuperassem os movimentos, ou tratar doenças como o diabetes e males degenerativos, como Parkinson, por exemplo.
Qual a diferença de uma célula-tronco embrionária para uma célula-tronco adulta?
Enquanto as células-tronco do embrião são capazes de dar origem a qualquer outro tipo de célula, as células-tronco adultas são mais limitadas em sua capacidade de diferenciação. Porém, novas pesquisas vêm avançando no sentido de dar a células adultas - como experiências com pele humana - capacidade semelhante à das células embrionárias.
Por que o uso de células-tronco embrionárias é polêmico?
Porque sua retirada implica a morte do embrião. Para algumas pessoas, o ser humano se caracteriza já no momento da concepção, o que faria com que um embrião fosse um ser vivo com direito à preservação de sua integridade. Para outras, são necessários a fixação e o desenvolvimento desse embrião no útero materno para que a vida humana seja caracterizada.
De onde vêm os embriões que teriam suas células retiradas?
São embriões que sobram de processos de fertilização in vitro com fins de reprodução. A Lei de Biossegurança brasileira, questionada judicialmente, admite que os exemplares congelados há mais de três anos ou inviáveis (incapazes de se desenvolver mesmo implantados no útero) sejam utilizados para fins científicos - desde que com autorização dos pais.
O que a lei de outros países diz sobre pesquisa com células-tronco embrionárias?
Não há um consenso (veja quadro abaixo). Na América Latina, fora o Brasil, somente o México tem lei admitindo essa prática. Os Estados Unidos permitem pesquisa somente com as 19 linhagens de células-tronco que já eram alvo de estudo quando sua lei foi aprovada. Na Europa, a Inglaterra permite até a criação de embriões por meio de clonagem e sua posterior destruição, mas a Itália proíbe o uso das células embrionárias, por exemplo.

O que vai acontecer
O pedido de vista da ação sobre a insconstitucionalidade da Lei de Biossegurança, feito pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, adiou por tempo indeterminado o julgamento sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias no Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o seu filho ler
O nosso corpo é formado por milhares de pequenas unidades, como os tijolos de uma casa, que são as células. Quando elas ainda são muito jovens, são capazes de se transformar em qualquer parte do nosso corpo. Por isso, os cientistas acham que é possível aproveitar as células de embriões para curar partes do nosso corpo atingidas por uma doença ou por um acidente. O embrião é um conjunto de células formado na primeira fase do desenvolvimento de uma pessoa.
Tem gente que entende que estas pequenas células não podem ser retiradas do embrião porque isto causa a morte dele - e o embrião é considerado por essas pessoas que são contrárias à pesquisa como um ser humano. Os cientistas que querem usar estas células (chamadas de células-tronco embrionárias) defendem que o embrião só se torna um ser humano de fato depois que se desenvolve na barriga da mãe.

Fonte: Diário Catarinense - 06-03-2008


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